Ritual
Não digas nada.
Nada que seus olhos já não gritem.
Nada que suas mãos nervosas
gesticulem
Num gesto desesperado
em busca de socorro.
Não digas nada.
Nada que esteja estampado,
borrado, fonetizado em suor
ou medo.
Sei de tudo.
Já sabia antes.
Nunca foi incrédula ou ingênua.
Nunca procurei em suas palavras
semântica alguma.
Nada faz sentido.
Ou tudo faz sentido na
lógica pervertida de você.
Teu silêncio devora o tempo.
Carcome o fio condutor da conversa.
E, as pausas ofegantes
carentes de oxigênio e sentido
se esfregam nas frases balbuciadas.
Numa lascívia comovente
Como quase viessem
a expressar simplesmente ...
A dor de ser vil.
A dor de ser covarde e impotente.
A dor de ser menor,
pequeno e microscópico.
Incapaz de se revelar
Nem diante da lâmina,
Nem diante da lente de aumento.
Nem diante da verdade da morte
ou da velhice.
Não fale nada.
Não comece.
Não avance e nem recue.
Sua inércia está imantada
de culpa e de horror.
Seus olhos criminosos confessam tudo.
Explicitamente tudo que presenciou,
Tudo que fez .
E, pior tudo aquilo
que cegou para apenas desviar
de foco.
Mas foi inútil a manobra.
Agora que as palavras são inúteis
Que a condenação é absoluta.
Apenas lhe peço no tribunal da consciência.
Vás embora, bata o portão com cuidado.
E, não volte nunca mais.
Sua partida já ocorrera há muito tempo.
Só se completou o ritual agora.
O silêncio dos segredos cruéis
não deve ser quebrado.