O TUDO E O NADA
No princípio era o nada
e o nada estava em tudo.
O tudo feito do nada
era absolutamente belo,
e essa beleza era latente,
quase irreal,
que chegava a ser divina...
Depois
os primeiros olhares
que buscavam lugar nenhum
e se encontravam sedentos
em um ponto qualquer no espaço.
Eram sóis dançantes, aqueles olhos,
Iluminando e iluminados,
brilhantes e indecisos,
querendo dar e pedindo
pois pedir é também uma forma de dar...
Em seguida
os sorrisos, como girassóis no verão,
e as primeiras palavras.
Meias palavras ditas,
palavras vazias,
que de vazias quando ditas
eram cheias quando ouvidas
e que ficavam ecoando,
ecoando, ecoando,
como se o vento cúmplice
não as levasse embora.
Palavras materializadas
nos ouvidos e nas retinas...
Aí, vieram os primeiros gestos
como indecisos passos de criança
quando aprende andar.
Toques, leves toques...
Receios, pudor, inibição.
Mãos deslizando suaves
nas leves curvas dos corpos,
nas saliências dos rostos,
mergulhando nos cabelos
e colhendo gotas de suor.
Eram ansiosas mãos exploradoras
que buscavam mistérios:
- a flor em cada campina...
- a fruta em cada pomar...
- o ouro em cada gruta...
- o coral em cada recife...
- a água em cada regato.
- a onda em cada mar...
E então vieram as bocas,
quais estranhos colibris,
rosas bocas sugando
e se deixando sugar.
Eram, ao mesmo tempo, flor-colibri.
plenas de uma volúpia sem par.
E as bocas foram beijando
olhos – ouvidos – pescoço,
caminhos de todo o corpo,
em um frenético sugar,
querendo sugar talvez
até a medula dos ossos...
E os corpos se agitaram
na calmaria das noites
revoltos e estremecidos
em estranhos maremotos,
em estranhos terremotos,
varridos pelos tufões
provindo de suas cavernas.
Era um tecido de pernas...
Era um bater de corações...
Eram corpos agitados
que quando exausto caíam.
Eram corpos separados
só unidos pelas mãos
entrelaçadas, suadas
e enlanguescidas.
E houve vento, sol, chuva,
lua cheia, calmaria...
E o calor que acendia
aqueles corpos no cio
desgastou-se tornou-se frio...
As palavras perderam os sentidos...
Os lábios perderam o sabor...
As mãos soltaram-se surpresas...
As pernas não mais tecidas...
À margem retalhos das vidas
e no horizonte incertezas...
No fim era o tudo
mas o tudo estava no nada.
O nada feito de tudo
era absolutamente triste
e essa tristeza era profunda,
que de tão profunda
chegava a ser de morte...
O tudo que viera do nada
voltara às origens
e de tudo só restara um nada,
mas nada tão cheio de lembranças
que os olhos ficaram molhados
e sem brilho,
as mãos quietas no ar
e sem buscas,
as bocas entreabertas
e petrificadas...
e os corpos
que quando exaustos caiam
na calmaria das noites
quedaram-se inertes
como mortos
ainda em vida...
No princípio era o nada
e o nada estava em tudo.
O tudo feito do nada
era absolutamente belo,
e essa beleza era latente,
quase irreal
que chegava a ser divina...
No fim era o tudo
mas o tudo estava no nada.
O nada feito de tudo
era absolutamente triste
e essa tristeza era profunda,
que de tão profunda
chegava a ser de morte...