Malas (29/10/04)

Eu, que outrora amava as coisas da vida, não amo mais.

Deixei de sentir prazer nas coisas mais simples e sublimes

E me prendo à sensações tão estrangeiras, como a minha alma,

E deixo-me levar pelas sensações que desconheço

Fingindo sentí-las, fingindo vivê-las levado pela impermeabilidade

Da razão, esta que perderá o domínio que me influenciava.

Eu, que outrora descrevia as coisas da vida, não o faço mais.

Deixei de escrever esperiências ou relatar sensações e situações

Apenas, hoje, eu invento como um fingidor.

E as descrevo como um observador, um colecionador

Submetido a reverenciar o que jamais pôde ou poderá ter

Ou viver. Como se observar a vida fosse vida.

Eu, que outrora sentia as coisas da vida, perdi a sensibilidade.

A sensibilidade no falar, em olhar, em observar, em amar...

Tornei-me tão duro quanto pedra

É tão tapado quanto um retardado.

Deixei-me levar pela maldade do meu vazio

E a insensibilidade do mundo em que fui atirado.

Eu, que outrora fantasiava a vida, conheci o pesadelo

De perder a mulher amada, de seu rosto desaparecer

A cada sonho interrompido, a cada noite mal dormida

De esquecer, aos poucos, a suavidade e a meiquice de sua voz

De ver que a cada dia que passa, por mais que eu alimentasse

A esperança, a saudade e a tristeza devoram-me o ânimo.

Eu, que assim, do nada, surgi para a vida, deixo-a.

Sem nenhum ressentimento de como eu a vivi

Ou de como ela me conduziu por seus estreitos caminhos

Não deixo nada de bem para a vida, contudo

Carrego para a morte os sonhos que não realizei como bobagem

Porque todo o resto que já tive em mãos foi perdido.

Luis Carlos Wolfgang
Enviado por Luis Carlos Wolfgang em 19/02/2007
Código do texto: T386149