Deslumbre mudo
Sem a primazia dos arquitetos,
escrevo apenas versos retos,
um deslumbre mudo aos livros
de poeira premida, vestida nas capas.
Meus ledos e tristes dizeres
traduzem entardeceres de ânimo
a beira da janela, na cadeira.
Daqui o que vejo é reto,
horizonte, teto, ponte.
Nem água da fonte quer erguer-se,
nem terra mover, amontoar-se.
Queria virar, não posso.
Ei-me em mais um dia de retidão.
Quanta canção no pingar da torneira.
Uma bobeira resmunga a dobradiça.
Madeira mestiça, range o assoalhado,
soa arrastado o peso do passo.
Abraço de vento morto toca-me,
absorto, penso em direções outras.
Descomposta está a vida
em mal resolvida tela cubista,
desafiando o perfeccionista
no traço sem esquadros, sem réguas.
Não há tréguas quando regras sobram.
Não há perdão nos vales do não.
Não há céu para o réu.
E a reta minha se perdeu,
declinou em cor e virtude,
no trauma da carne plantou-se,
consagrou-se à incompletude.