Deslumbre mudo

Sem a primazia dos arquitetos,

escrevo apenas versos retos,

um deslumbre mudo aos livros

de poeira premida, vestida nas capas.

Meus ledos e tristes dizeres

traduzem entardeceres de ânimo

a beira da janela, na cadeira.

Daqui o que vejo é reto,

horizonte, teto, ponte.

Nem água da fonte quer erguer-se,

nem terra mover, amontoar-se.

Queria virar, não posso.

Ei-me em mais um dia de retidão.

Quanta canção no pingar da torneira.

Uma bobeira resmunga a dobradiça.

Madeira mestiça, range o assoalhado,

soa arrastado o peso do passo.

Abraço de vento morto toca-me,

absorto, penso em direções outras.

Descomposta está a vida

em mal resolvida tela cubista,

desafiando o perfeccionista

no traço sem esquadros, sem réguas.

Não há tréguas quando regras sobram.

Não há perdão nos vales do não.

Não há céu para o réu.

E a reta minha se perdeu,

declinou em cor e virtude,

no trauma da carne plantou-se,

consagrou-se à incompletude.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 16/02/2007
Reeditado em 06/11/2014
Código do texto: T383138
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