Desejo Hoje...
Hoje vesti vermelho!
E pus cinta-liga
Decotes e saltos
E batom carmim.
A alma guardou a criança
E a ternura acanhou-se
O amor ficou distante
E espreita-me...
Saia de mim!
E resolvi ser Mulher!
E larguei fadas e anjos!
Tangi-os todos para longe!
Dêem-me trégua...
Deixem-me em paz!
E quero eu a dor... ela é real!
E quase posso eu tocá-la!
E quero eu embriagar-me
Neste copo transbordante
Das dores minhas.
Não acredito em mim
Não aredito no Amor
Nem no que comi ontem.
Hoje debrucei-me
Na minha alma alegrezinha
E achei-a muito tola.
Hoje quero voar na noite
Não quero ouvir nehum ruído
Nem dos passarinhos
Nem da brisa ou riachinho.
Hoje quero morrer!
Quero dormir sono profundo!
Quero que dane-se o mundo!
Desejar, quem sabe, uma lobotomia
Que arranque de mim aos oito
E deixe-me apenas do vinte e três
Em diante.
Quero apagar tudo!
E dançar!
E comemorar!
E arrancar de mim o que me dói
E queria eu gritar!
Na verdade, discursar!
Sobre coisinhas nada arrumadas!
Verdades que sobem-me a garganta
E que deixariam-me perplexa
Mudamente perplexa
À face dos hipócritas que cercam-me!
E no depois do vômito amargo
Que nem sei eu se sanaria a dor
Se seria eu sã?
Ou me transformaria, enfim
No são "louco" da Gare do Oriente
Que fala ao mundo livremente?
Hoje quero dançar!
Na pontinha dos pés da bailarina
Mas quero cair
Desajeiadamente!
Com as roupas esfarrapadas
Aquelas que nunca vesti.
E escutar o piano
Que, na verdade, nunca toquei!
E ler versos densos da Clarice
E encontrar-me, nela, comigo.
Hoje... eu gostaria muito que a Clarice risse um pouco das dores minhas.
E me falasse das dores suas.
Para que pequenina, ainda menor, eu sentisse-me.
Ou falar com o Pessoa, com a Florbela...
Algum conselho me dariam!
Ou bastaria-me o silêncio...
Não iriam gastar-se comigo.
Mas o silêncio
Já falaria-me sobre muito!
Haja que hoje
Eu necessito ouvir silêncio.
Não cabem em mim palavras!
Nada, nada justificaria...
Que durma eu, então
E que sonhe eu, então
Com todos os Mestres dos versos!
Com todos os Mestres da dor!
Envolta em Grande Almas Poéticas!
Um bálsamo à minha dor...
Me ajudem, por favor.
Karla Mello
19 de Junho de 2012