Compra de companhia

E me vêm a mente que algum dia um certo alguém

pode chegar a abrir meu livro de versos, e me vêm

a mente também o fato de que já se passara tempo

E eu não terei como guiar a leitura feita do curioso

expectador de um poeta caduco em um pais ditoso

produzindo o tipo mais singular de seu passatempo

Meu Deus do céu, assim como a maioria dos poetas

estarei longe do mundo de horizontes de linhas retas

quando reconhecerem em mim o escritor já vou estar

enterrado em algum cemitério paupérrimo, bem longe

estarei repousando o resto da carne sabe lá Deus onde

a terra me será mãe comum quando lerem meu rimar!

Porque me leriam, por qual razão eu haveria de ser imortal?

Nunca encontrei nada por aqui dentro que fosse descomunal

porque será que tenho este medo estupido de, um dia, morrer

ajo como se toda a minha vida me fosse útil e tranquila e boa

mas se ela fosse útil e tranquila e boa, seria uma outra pessoa

e por ser outra pessoa escreveria outro versos, em outro viver

Mas não foi outro viver isto que Deus meu deu, foi este só

de poeta animalesco que sabe sua condição finita de ser pó

e que se reduzira a pó quando ficou, pela noite, angustiado

já em sua casa, ouvindo os sons irritantes de seu escritório

na sua cama, tendo a impressão nitida do que é só ilusorio,

pensando louco que é que ele esta a se deitar sob o teclado!

Meu emprego tem tornado num escritório a minha casa

sinto que eu vou ficando com a mente sempre mais rasa

quando vão se confundindo todos meus limites pessoais

com outros limites mal riscados como é qualquer limite

não extendo minha mão ao vizinho por sofrer de tendite

trato meus amigos como se fossem colegas profissionais

Soube, quando treze anos de idade (ai que tempo ditoso!),

que hoje em dia se compra compania e sempre fui curioso

para essas coisas estranhas para mim de compania acerca

o meu pai me disse “vamos ali, naquele canto escuro, filho

trilhar um caminho que eu mandava tú não ires e que trilho

é um trilho trilhado para que os homens não pulem a cerca”

Ai, como que eu gostaria que não fosse motivo de minha vergonha

ir sair, mais uma vez, a procura de algum outro corpo para a fronha

que me é tipicamente tão solitaria e fria em sua interna temperatura

ao olhar aos arredores como caça covarde eu já vou me adentrando

passando pela porta recolhida desse paraiso pervertido: este bordel

em todos sentidos este lugar é, para mim, um tipo belissímo de ceu

com seus anjos semi-desnudos em densas núvens de luxúria voando

Ernani Blackheart
Enviado por Ernani Blackheart em 04/04/2012
Código do texto: T3593981
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