O mundo lá fora
Do canto mais escuro eu avisto a cidade
Suas luzes tremulando em vigilia
Seus farrapos, mistura de cruzamentos e janelas
O vento me dá as boas vindas
Mostra o caminho pelas ruas
O caminho da solidão
Pela noite os sussurros são apenas detalhes
Pequenas criaturas da escuridão nas esquinas
O mundo aqui fora me arrepia e me acolhe
Pela espinha a sombra da noite corre silenciosa
E me abraça com suas garras e pontas
Um leve desconforto, um subito prazer
A agulha da realidade, o frio cortante na pele
E eu me entrego para a cidade
Ouço coisas, as ávores falam o dialeto da noite
Alguns morcegos se assutam com um carro fugaz
E voam de súbito para os buracos e telhados
Sombras de fuligem no véu de fumaça
O barulho do motor logo se desfaz no seu próprio eco
E o silêncio sorri para mim novamente
Estamos a sós
Na imensidão do mundo lá fora
No frio, na fome, na escuridão do nevoeiro
Nada disso importa
Do morro eu avisto a cidade através do meu próprio breu
Um cigarro, um suspiro e a busca recomeça
Em algum lugar no mundo lá fora
Eu vago sozinho nas calçadas
Em busca de algo que já não me recordo
Já faz tempo que abracei o silêncio
Meu relógio desligou
Não vejo mais o tempo passar
Não vejo mais o que escondi na memória
Perdi o que restava de nós dois