DESENCANTO

Meu quarto outrora,

Habitava sonhos encantados – hoje,

Pesadelos (sombras de sonhos não realizados)

São meus anfitriões, aguardando-me

No limiar do meu sono de desencanto.

Meus pensamentos, que outrora

Deslizavam audazes e intrépidos

Através de minha boca,

Hoje se recolhem e só viajam

Por suas confidentes estradas secretas.

O que me constitui transformou-se

Numa silenciosa montanha

Aguardando a passagem do tempo,

Na certeza de que forças ocultas corroem-lhe a base,

Preparando-lhe a queda final.

O que guardo de belo em mim

São flores de cacto na aridez

Do deserto em que me tornei,

Castigado por “fenômenos climáticos”

Das minhas experiências de vida.

O que ainda me alenta

É a possibilidade de ter sido inventado,

E vivido e sofrido e usado,

Por um engenhoso e mágico inventor

Que saiba e queira e recicle

Os farrapos que sobraram de mim,

Quiçá até queira dar brilho novo

À luz que outrora

Fulgurava em meus olhos.

Manoel de Almeida
Enviado por Manoel de Almeida em 28/01/2012
Código do texto: T3466117
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.