Tédio de viver
Monotonia – palavra comum em meu vocabulário –
termo escrito com caixa alta neste meu dicionário
o unico ser que ama a minha angustiante presença
juiz tresloucado que julga ser belissimo e mágico
único ato do qual não existe volta: o salto trágico
ação na qual esta mentalidade é sempre propensa
Incontraditória justificativa dos meus atos
carrasco terreno dos mais sutis maustratos
que tem visado o meu corpo com visceral desejo
só Deus tem plena ciência do quanto o meu rastro
foi maculado, foi modificado com este seu mastro!
o tédio é um astro eclipsionando tudo o que vejo
Nos meus ouvidos, ecoa a tua música inevitável
com instrumentos de uma dificuldade irrazoável
ao ser tocado pelo tipo mais estudioso de erudito
que saiba qual o motivo específico para ir se usar
mesmo com os membros sangrentos ainda a tocar
a sua música muito mais potente que o meu grito
Quem dera que minha vida fosse como telas guache: coloridas
eu queria ter passado por mais algumas aventurosas avenidas
ter visto o fantasma da morte bem de frente algumas vezes
poder lembrar de dias em que envoquei espíritos de perigo
com o objetivo único de provar a mim mesmo que consigo
prefiria isso tudo do que ter ficado casmurro vários meses!
Fico imaginando se eu terei a coragem
de inventar algum tipo bom de viagem
se meus filhos, por acaso, perguntarem
o que eu fiz com toda minha juventude
porque não atingi a desejada plenitude?
O profundo tédio do passar dos dias me trucida
é monotona tal inatividade de toda a minha vida
quem me dera ter o verdadeiro acesso a algo que fosse mais
do que os semifatos manipulados que saceiam a necessidade,
a inexplicável necessidade de sangue fresco da urbana cidade,
cuja única função social é de rechear fartamente vários jornais
Porque será que tenho um tipo super orgânico de certeza
de que o dia de amanhã será a sombra de hoje, mas presa
ao sempre tão previsível badalar dos minutos e das horas
que pega todos os seres vivos e, sem dó, vai e os transforma
a uma só massa de humus futuro: a senil e cadavérica forma
que a chegada do final de todo universo longamente implora
Tomo meu café, que é essencial estar bem acordado
pois como um bom serviçal que sou, eu fui educado
a estar com ouvidos abertos e as justas órdens atento
e por aqui confesso: eu nem sempre fui um aluno focado
por incontáveis vezes me deixem levar ao ser desleixado
mas vou sempre tentando ser útil em algo: e ainda tento
Certas lembranças me ardem o encefálio enquanto penso
que minha vida sempre teve importancia quase nenhuma
sou tão duradouro quanto o fumo que um cachimbo fuma
quando a boca adquire estranho aspecto fisico do incenso
Ao durmir ou só por fechar os olhos em meio a escuridão
certos passados que devo ter talvez vivido chegam, se vão
e eu para não enlouquecer coloco o rótulo de sonho nisso
tento ir decifrar aquilo que me dizes quando tú dizes nada
com seu semblante calmo: a minha esfinge a ser escalada
meu cérebro volta a ela, como se tivesse um compromisso
Sim, hoje eu olhei para fora e o céu parecia ter sido sempre escuro
especialmente depois de ter cometido com todo teu corpo angelical
o mal crime para qual seria preciso as cadeias com punição especial
e um fogo que queimasse sempre tudo aquilo que me fosse impuro!
Olho para ti de novo em outra noite eu quase que sinto certa vergonha
ao lembrar que gastei sabonete e litros de aguá ao limpar minha fronha
suja com células agora infecundas do corpo inexplicavelmente ardiloso
filosofo, com mãos inexplicavelmente pálidas, que carregar este peso
por sonhos que foram taxados de “naturais” não me parece algo coeso
penso também que devo ter eliminado cidades inteiras para meu gozo!
Como não reagir ao incendio psiquico dos nossos corpos inexistentes?
Até hoje é difícil não sonhar com teu sorisso, com cada um dos dentes
que fizeram a minha felicidade naquela noite quando meu tédio pesava
o cérebro, com inveja da felicidade do outro órgão, tal ideia agora pare
da mesma forma como foi mostrado nas estórias da Madame Bovary
romances que consumi realmente modulavam aquilo que eu sonhava!
Se isto é fato comprovado por ciências mais imparcias que a literatura
acho que vou ter que alterar todos meus atos e parar com a loucura
de ler estórias que somente inflamam sentimentos dentro dos corações
pois não esquecerei fatos inegáveis do meu fúturo biológico e comum
que corpos e a fome insaciável de vermes se tornará não dois mas um
em nada me servirá sentir amor naquele dia de metafísicas revoluções
Que Deus não deixe o tédio que sinto passar sem compania da livraria
pois tenho a memória ainda conscientemente não apagada de como ria
ao ler alguma coisa da qual nunca tinha percebido em páginas antigas
foram as literaturas ditas de primeiro mundo que ensinaram tudo de útil
exemplo: o quanto que os reis da burguesias lutam por tudo que é fútil
a leitura de livros me ensinam o tom da ironia e as inutilidades da briga!
Mas agora não tenho a biblioteca para onde acampar, longe do tédio
companheiro de pensamentos durante meu ensino fundamental e médio
se a bibiotecária fosse bonita não necessitária nem sequer da leitura
como me conheço bem, sei que esqueceria de devolver algum exemplar
se meus olhares e os olhares simpáticos da bibliotecária se encontrar
há mais romantismo em olhares do que em toda escolástica dita pura
Ouço mas não sei dizer com uma certeza qual ponto cardial a voz vêm
e como não vejo nos arredores nem mesmo dica da sombra de alguém
julgo ser só o vento da terra seca onde nada se dá quando é plantado
(os portugueses floriaram demais São Paulo quando naquela tal carta)
a única amante sincera é a inatividade, ela põe os seus pés no estrado
desta delicada dama somente há em sua literatura referencias fartas
Como mudar minha vida teria que inevitavelmente ser a metamorfose
da minha literatura inteira, e seria uma mudança tal qual uma necrose
então decidi, meio que não decidindo, pelo caminho fácil da inspiração:
escrevi um poema sobre como toda minha vida foi um só tédio colossal
não serei tão soberbo a ponto de julgar se eu rimei bem ou se rimei mal
só sei que o poema foi longo porque também o foi o dia de entediação!