Vida-de-Merda

Vida-de-merda. Pela manhã fazia sol.

O som do interfone, o cheiro de incenso, os pombos, as pessoas (e a ruiva que passou).

Decidi tristemente esquecer o que passou; é passado.

Era legitimamente amor.

Devolva-me a chave da gaiola; mande, quem sabe, por email.

E há no céu bananas podres e gelo. Aguardo a chuva e a água.

E condenado no tempo me culpo e não tenho culpa (creio).

Retomei a agonia que não me permite dormir.

E assim passei por entre a escola Carlos Gomes, na qual fizemos aquela prova.

Atrás do corpo – sozinho em casa – a asma se repetia, repetia; mais uma crise.

Fui ao hospital Ferreira Penteado e entre a fila e as pessoas o desmaio.

O branco, a injeção, os remédios, o vômito (e eu odeio os hospitais).

E entre os cheiros estar feliz, cantar.

Andando por aí o jequitibá floresce papoula e o concreto, a pedra, a poeira.

As nuvens cheiram algodão e éter e álcool e madeira.

Uma vontade de andar a cavalo e cavalgar até o mar e cheirá-lo.

Cavalos marrons, pretos, brancos, multicoloridos: montá-los.

Aprender a lidar (e cuidar) da matéria-ferro. E não estar lá.

Nasci – provavelmente com defeito – em abril de mil novecentos e noventa.

E no poço entulhos estampidos barulhos. Sob o poço argila cobre mágoas.

Na pele da minha cara o sol, o azul, o verde e o amarelo.

E ainda as palavras continuam inúteis.

Esse janeiro fede desilusões aumento de passagem porra lixo adeus.

A gente se fere nele. O gosto (na saliva) das flores. E estar deslocado.

Antes comprei moedas da União Soviética dois e quinze Kopeks.

E meu nome recebeu uma conotação fantasmagórica.

Dia-de-merda janeiro-de-merda e minhas mãos ainda tremiam.

(isso pouco importa)

Gabriel Furquim
Enviado por Gabriel Furquim em 08/01/2012
Código do texto: T3429078
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