Piano e Janela
Parecia que o céu brigara por permanecer bonito aquela manhã, o nascer de uma nuvem em outra e o sol que brilhava sem receio. Mas talvez por imperfeição, não iluminou o sorriso daquela moça. Dentro daquela casa, a beleza não conseguiu adentrar.
O reflexo das flores ao alto das árvores dentre à janela no piano lustrado, que dessa vez não tocava som algum. Acordes e notas caladas. Tudo tão quieto, estático. Tudo tão triste.
Por essa vez a pianista não estava disposta para música, nem ao menos para vida. Passeios entre cama e janela, com a cara lavada, sua beleza pura e sincera. Seu olhar de falta, faltava algo.
Pensamentos e versos entre soluços de choro.
Queria tanto que o tempo não passasse…
Queria tanto que o tempo não morresse…
Só queria que um minuto durasse um ano, e que não tivesse prazo pra viver.
Mesmo assim, preferiu a ver o tempo passar pela janela, agarrada às cortinas e encostada ao piano, de vez em quando.
Se não fosse a doença que limitasse sua coragem, talvez tocasse mais uma música. Montaria uma orquestra e, comporia tantos versos, tantos sorrisos que poderiam vir.
Mas era fraca, e não pensava mais em vida, conformou-se com o fim. Então enxugou as lágrimas e tentou por um instante, não cair.
A altura das árvores que a olhavam diante da janela a fizera sentir-se pequena.
A grandeza do sol não teve pudor, e sem querer, a fez menor.
Cada vez menor.
As folhas caiam, e a fez lembrar da morte e de tão fraca que era.
Toda aquela beleza a torturava, decidiu então cobri-la com as cortinas.
Nunca mais tocou uma música e nunca mais foi vista. Nunca saiu da casa.
Tempos depois, tudo que se viu foi o piano sendo levado porta à fora.
A pianista morreu, morreu sem canção, sem inspiração. Sem toda beleza da poesia. Tudo por culpa da coragem, que não apareceu na janela.