PARA A DUALIDADE: UM DEDAL
Estava hoje eu a costurar botões em camisas.
Entrava, por minha janela, o canto dos pássaros que vivem no bosque que "abraça" a minha morada.
Tinha um tom de despedida do Verão. Lindo.
Por trás da lente que amplia a minha visão… olhei a agulha.
Pronto. Eu já não estava mais ali.
Eu… era a agulha.
Fina e gentil de mãos dadas com a linha…
Unindo um botão a um tecido.
Para abraçar outra parte do tecido. Depois de unida ao tecido.
E abraçar o homem. Guardá-lo. Aquecê-lo.
É estranho… Você já se sentiu sendo uma agulha?
Eu SOU a agulha. Firo e uno. Depende do dia.
Firo às vezes para ter que unir. Não dispersar… Filhos – Botões.
Cozo também… os meus retalhinhos mal cortados.
Às vezes, alinhavo… para rever depois.
“Se valer à pena… E se a alma não for pequena”…
Cozo. Arremato. Se não… desmancho. Recomeço.
Se o tecido for grosso… Envergo-me. Mas então já não cozo bem.
E se stiver sozinha… sem a linha… apenas firo.
Não gosto. Mas pedem. Eu faço.
Mas apenas quando pedem.
E se eu sou a agulha…. quem é esta que me conduz os pontos?
Por acaso ela não sabe que “eu sou”?
Nem sempre gosto dos caminhos que ela escolhe para mim.
Nem sempre quis cozer botões para aquecer o homem incerto.
Ela é mesmo tonta. E faz-me sentir asco de alguns consertos que fiz.
Mas não quero ferí-la. Já feriram-na demais.
Alguém tem… então… um dedal?
Livrem-na de mim. Por favor.
Karla Mello
Setembro/2011