Espectadores de belos -ou não- fins banais

Garota de vestido cinza, supostamente depressiva. Coragem ao extremo. Entra em um prédio comercial.

Fones no ouvido, garrafa na mão esquerda, mão direita com punho fechado. Pega o elevador. Passa pelo segundo andar, pelo terceiro, pelo vigésimo sétimo, chega a cobertura.

Coragem ao extremo. Seus olhos brilham de forma insana, ar de liberdade -sentimento idiota.

Para no parapeito do prédio e observa as pessoas. Meras formigas apressadas em direção a lugar algum. Alguém a fita lá de baixo. Outro alguém olha para cima. Cinqüenta abutres e mais 100 pares de olhos curiosos se viram para o alto. Alguém pega o celular e começa a filmar a garota corajosa de vestido cinza, com fones de ouvido e garrafa na mão esquerda no alto do prédio. Outro alguém pega o celular e chama os bombeiros.

O som da sirene se sobrepõe ao barulho ensurdecedor presente na rua congestionada.

Os bombeiros chegam ao espetáculo - convidados de honra. - O Megafone dá conselhos remotos à bela garota. Segundo os bombeiros a vida é bela, e não deve acabar assim - ação impensada dizem eles. - A garota trás em seus olhos azuis a certeza de uma idéia há tempos pensada, sorri, acena para a multidão de formigas. Pé esquerdo para frente, o direito em seguida, pula com leveza e um sorriso no rosto. Nada mais a incomoda. Missão cumprida.

Fita de isolamento, o público é afastado, a câmera filma. Policias, perícia, bombeiros trabalham.

No jornal local, logo abaixo do anúncio de uma loja de sapatos, existe uma nota falando sobre a garota cinza no alto do prédio.

Uma semana se passa. Funcionários públicos, agraciados com a ajuda da chuva, não deixaram detritos da garota do vestido cinza.

Um velho bêbado vomita na calçada, um casal se agarra abaixo do prédio, um cachorro mija no poste a frente, gargalhadas por toda a parte. Congestionamento, buzinas, formigas uniformizadas e suas maletas. Um garoto escorado no prédio, tomando um sorvete, escuta ao longe o som de uma sirene, acaba o sorvete, entra no prédio, moedas em mão, ruma à loja de doces.

Mais um tumulo de mármore branco, quase imperceptível, surge em meio ao cemitério superlotado.

Um vídeo vira febre no Youtube, 200000 views em uma semana. Vídeo deletado por ir contra os princípios do site. Vídeo espalhado por outros sites e celulares.

Dois jovens entre 18 e 22 anos assistem ao vídeo enquanto em sua frente um bêbado desiludido e chorando adentra um prédio do outro lado da rua com uma arma em mãos. Ar ofegante e um olhar de insanidade.