ENGULO MINHA RAIVA
ENGULO MINHA RAIVA
Agora que está sozinha
O medo da solidão cessa sua ojeriza
Você não é mais meu bem-me-quer
Amizade à parte, por que as calúnias?
Primeiro você me azucrina
Mas não me rendo à tristeza
Já cansei de brigar contigo
Vivemos o presente maldizendo o passado
Nós somos ensaios de sedução?
De atrevida, eu preferiria mais acanhada
Cresce a vontade de sentir seu fel
Ouso dizer que é como brincar com fogo
Jamais encontrei tamanha infelicidade
Nuvens de ressentimento toldam nosso amor
Engasgo e engulo minha raiva
Viro-me do avesso pedindo seu perdão
Em delírio estendo a mão
O sabor dos seus lábios é veneno
Meu mundo é tão vazio sem você
De que adianta fantasias multicores
Seu halo nunca ilumina meu caminho
Sigo roendo meu osso até fim
Queria compreender seus motivos de aversão
Meu beijo fará o milagre da fecundação
Um anjo sussurrou no meu ouvido
Que talvez nunca mais acordemos
Tudo se desfaz em pedaços banais
De nada valem gritos e gestos bruscos
Você é sol que perdeu o brilho
É flor que perdeu o viço
Assim, no frio nossos corpos enrijecem
Somente estertores de vida em meio à morte
(maio/1983)