Depois de um tempo de vida...

Depois de um tempo de vida, acordei.

Confesso que um tanto tarde demais, mas ainda viva.

E como diz Clarice Lispector, deparei-me com uma grande quantidade de poeira encobrindo a palavra amor do meu cotidiano...

De relance, abri a janela do meu quarto ansiando que a escuridão fugisse dali aos saltos, ou mesmo, aos trancos e barrancos.

Depois de um tempo de vida, acordei e me reencontrei.

Não estava mais tão jovem.

Não estava mais tão bela.

Não estava mais tão doce.

Não estava mais tão segura.

Me reencontrei mais madura, inconsciente, menos senhora das minhas vontades, mais conformada com minhas situações.

Depois de um tempo de vida, acordei.

Olhei para trás e tive a certeza que, assim como Cora Coralina, retirei muitas pedras do meu caminho, plantando muitas flores em seus lugares. Todavia esqueci de revolver a terra do meu próprio jardim. Andei por muito tempo cuidando de situações que me conduziram a lugares nunca antes idealizados por mim.

Depois de um tempo de vida, acordei.

Percebi que, realmente, sempre fui egoísta.

Tive a pretensão de roubar a felicidade do mundo e morar com ela, para o resto da minha vida.

Admito, também, que sempre fui mimada. Confesso que nasci para ser cuidada, para ser protegida e para ser amada. Amada não apenas por laços de sangue, tão pouco por redomas de vidro, mas por elos de carinho, de confiança e, principalmente, de respeito pelas minhas vontades e pelas minhas escolhas.

Depois de algum tempo de vida, eu acordei .

Acordei e percebi que o que eu esperava dessa vida não era lá muita coisa.

Apenas o necessário para poupar minha alma de murchar, lentamente.

Apenas o necessário para evitar que meus olhos secassem, rapidamente.

Apenas o necessário para que meu riso não cedesse às lágrimas, constantemente.

Ansiava apenas por liberdade. Uma liberdade natural.

Aquela liberdade de ir e vir...

Aquela liberdade de abraçar as pessoas que me fazem bem.

Aquela liberdade de escrever sem medo ou viver sem culpa, fazendo valer as minhas pequenas vontades frente às grandes ignorâncias da vida.

Depois de algum tempo sem vida eu definitivamente acordei.

Revesti-me de coragem e levantei o olhar frente à realidade triste do meu cotidiano.

Estava cansada. Muito cansada. E diante da exaustão do meu coração optei por, definitivamente, apagar a luz dos meus sonhos, fechar a porta dos meus desalentos e voltar a dormir... como eu sempre fiz, a minha vida inteira!