Uma vez, no meu país

Quando toda gente ainda era feliz

As sombras sobre nossas cabeças

Eram de pássaros brancos e azuis

O que caía do céu, oh,

era chuva fina em pingos de luz.

O que os homens traziam nas mãos

Eram flores para as namoradas

As crianças corriam e se escondiam

Porque elas somente brincavam

Semimorto.

Minha vida escorre

por entre minhas mãos

E algo me leva ao dia da partida

No meio da lama cinza do porto.

Com certo afago e temeridade.

Espremido no barco da incerteza

Amarguei o prelúdio da saudade

No meio da noite

Vinha o cantar medonho apagar tudo.

A melodia dos assobios eternos

Na eternidade do nosso medo

Ruia

A fantasia

Ardendo como o inferno.

As sombras negras sussurravam

No alto dos céus, para os moribundos

Descendo

Semeando,

lânguidos uivos,

Plantando defuntos.

E no final de tudo, a companhia

que nos restou, portanto

Foi a da arma, gélida e sombria,

Pois desenhavam-se em ruínas

Colinas de seres desnudos de vida.

E nessas noites frias

Meu coração não encontra fogo

Porque a ígnea chama da pólvora,

Por ironia,

Congelou a razão dos homens um dia.

Mas não deixe que se apaguem

Os rios vermelhos nas consciências

Dos tiros longínquos a amarga cadência

Porque embora partindo

Trago na minha memória

O que uma vez foi meu país.