A coragem do simples

Eu queria ter a coragem do simples

Para viver em uma casinha pequena,

Que desse pouco trabalho pra cuidar,

Para que tivesse como desfrutar de outros prazeres da vida,

Ao invés de passar o tempo todo tentando construir uma casa grande,

Para receber pessoas que não vêm me visitar,

Mesmo porque eu nunca estou em casa para recebê-las,

E que só serve mesmo para atrair a poeira

E para dar muito trabalho pra zelar.

Gostaria de não complicar as coisas tanto

E de ficar satisfeito com o que Deus já me tem dado;

De poder parar de correr para um e outro lado

Atrás de novidades e de outros cursos da vida;

De dizer um BASTA que me faça perder o encanto,

E que me ajude a correr de modo mais compassado,

De tal sorte que eu o escute sempre que for tentado

A ultrapassar os limites estabelecidos em minha corrida

Queria ter mais tempo para ler.

De que adianta ter na biblioteca tantos livros

Se o meu tempo vai passar e eu nem saberei

O que aqueles livros tinham para me dizer?

Servem apenas para falar que tenho livros e atrair as traças.

Essas preciosidades não podem ser só para se ver

Elas têm direito de circular por entre os seres vivos

Para mostrar-lhes o que tem e que eu não busquei

Por haver a passado a vida conjugando o verbo TER

Deixando de SER, ocupado noutras graças.

Eu gosto de ouvir o cantar dos passarinhos,

Mas quase não tenho tempo de parar meus vens e vais

E voltar-lhes alguns momentos de meus sentidos

Em meu grande quintal arborizado,

Onde eles criam seus filhotes, fazem seus ninhos,

E realizam seus mais lindos recitais.

E então esses cantores morrem e seus cantos não são ouvidos

Porque eu, platéia, estive correndo atrás dos ventos,

E entre tantos contratempos, ocupado.

De que adiantam os quartos vazios,

O corre-corre e os tantos desvarios?

De que adiantam os livros de tantas histórias,

Tantas aventuras e glórias notórias?

De que adiantam as plantas, os quintais,

E os pássaros cantores que não têm iguais?

O que adianta ter cinquenta, oitenta, cem anos,

Se não se teve a coragem do simples vivenciando?

A vida não é uma multiplicação dos anos que são passados;

Não é uma luta para conseguir objetivos inconquistáveis;

Não é o aproveitamento do tempo em qualquer inutilidade!

Viver não é conquistar a imortalidade!

A vida é o tempo apreciado e os dias efetivamente desfrutados;

É a alegria e o prazer das companhias contáveis,

Sem importar de quanto seja a nossa idade.

Viver é o tempo que passamos em plena felicidade!