CANÇÃO DO DESILUDIDO DO AMOR

Amor...

No momento não tenho nada a dizer,

A não ser que és novo e eu velho.

Nasces hoje,morro amanhã,

Não há tempo de compreendê-lo,aceitá-lo.

Conheço mais a amiga fria

Que fica da porta a olhar para fora,

A zombar do anjo com arco e flecha

E a segredar-me o teu rosto amorfo.

Tu,amor,bem pode ser

Um passeio de automóvel,

Uma casa vazia na esquina,

Um encontro,um caso,uma noiva,um acaso...

Amor?!pode ser tudo!

Cheirado,vestido,tocado,sentido,

Trocado,vivido,ousado,retido!

Qualquer coisa é teu começo,

Mas no momento estou solitário...

Me acostumei com o pouco amar,

Do tipo que diz:"te gosto,mas não te amo."

Então se alguém me diz:"eu te quero!"

Fujo,porque não compreendo.

Pra mim,desde pequeno,o pouco gostar já era gostar...

E pensar que eu podia tudo,

Porque não tinha a consciência das alturas

E não conhecia a palavra dor.

Até que seus olhos de aventura

Apontaram em mim feito uma arma

Perigosa demais a quem ama.

Ah,hoje sou o alvo,tu és o tiro

Camuflado na inocência de um olhar...

E pensar que até a pouco eu era livre

Para odiar,amar,sem dar por isso,

Sentir o vento no rosto,

Dormir sob uma árvore no campo

E partir sem explicação alguma.

Mas hoje eu sou o alvo e tu és o tiro

A disparar em meu peito o amor-menino,

Deixando-me qual pássaro ferido

Que em lágrimas mergulhado

Não pode mais voar...

Desenho teu rosto no ar

E fico olhando o vazio,

Teus cabelos imaginários...

Cada hora é um fio de distância

A escorrer pelos meus dedos.

No vento beijo tua boca que inventei,

Descubro cada segredo

E de mim mesmo não sei.

Dá-me o sonho,

Dá-me pérolas para um colar!

Oh amor,tu és calma,

Intervalo entre corpo e alma

Na efusão dos amantes...

Dá-me a insônia delinquente,

O encontro,o toque ausente

Aonde se escondem os lábios sonhados!

Dá-me o beijo inventado

Que vejo em teu rosto suspenço,

Para não durar mais que uma noite;

Para não doer mais do que penso...

Mas tudo o que peço é esquecido

E o mundo dos sentidos

Fica como chaga nua

A invocar a realidade

Que amor é que move a vida.

É como se toda a cidade,

Em cada pedra na rua,

Tivesse a mesma saudade,

Sangrando uma mesma ferida.

Chove,

Meu coração segue seco

Nas calçadas dos enganos...

Debaixo de um ponto de ônibus

Um casalzinho faz planos

E se beijam em meio à cena.

A vida,por mais amarga que pareça,

Começa a valer a pena!

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 28/10/2006
Reeditado em 14/08/2009
Código do texto: T275646
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