Desleixo

Uma maneira desleixada de escrever,

uma maneira desleixada de arrumar

o pensamento que não pode pretender

a tua imagem um instante evitar.

Fico triste e não consigo entender

porque não posso ao lado teu sempre me achar.

Mais triste ainda, eu concluo não saber

como é que vou da minha vida te tirar.

Inconformado, as horas passo de lazer

me desleixando na maneira de pensar.

Faço um esforço, mas não dá pra perceber

porque tua imagem não consegue se ausentar.

Não importa o nome, o que quero é te ter,

pois me consome essa vontade de te amar.

E a frustração: querer nem sempre é poder.

De ilusão vou ter que me alimentar.

Eu não sabia que podia aparecer

alguém assim com esse jeito de entrar

na minha vida. Como vou me proteger

de uma coisa que é impossível controlar?

E me desleixo, e me maltrato, e vou sofrer

se for melhor do que somente desejar

alguns momentos a teu lado só pra ver

a hora em que eles vão ter de terminar.

Sou desleixado na maneira de dizer

que eu queria, mas não posso te tirar

das coisas que me dão motivo pra viver,

e que também me dão motivo pra sonhar.

O tempo passa e ele ajuda a envolver

o meu desleixo e a tua vida. Mas será

que é isso mesmo que devia acontecer?

Essa inconstância vale a pena incentivar?

Te sinto longe, divertida, a querer

de limitado modo se interessar

por tudo aquilo que eu, pra ti, consiga ser.

Te é bom saber que só consigo te amar?

É irrelevante. O que incomoda é correr

atrás do que jamais se pode alcançar.

Receio que isso eu veja e possa perceber

a relevância de parar pra descansar.

Isso é amargo e escurece meu viver.

Melhor pensar que nos teus braços vou ficar,

me lambuzar no doce beijo, me aquecer

com a chama que em teus olhos quero encontrar.

Falo do Sol, do oceano. E vai chover

um lago azul pro meu delírio afogar.

Mas um colírio quero usar pra não arder

meus olhos quando te sentir sem te olhar.

Na minha imagem não consigo me esconder,

não ligo o jeito que é melhor de se trajar.

Se meu cabelo não me importa é porque

tua mão não quer o pente nele empregar.

Passa um barquinho. E um coqueiro a gente vê

que está sozinho e que podia abrigar,

com a sua sombra, o meu corpo a se espremer

contra o teu corpo em cima da areia do mar.

O Sol se atreve a com seus raios te aquecer,

mas teus gemidos o obrigam a corar.

E ele assim agora em mim vem se estender,

mas sem saber que o teu calor chega a queimar.

Depois da ânsia, a relutância do prazer,

a importância de fazê-lo perdurar.

Mas chega a hora e não dá mais pra se conter

e agente quase morre de tanto gozar.

Quem sabe a chuva com meu modo de correr

teria a chance de poder me alcançar

e me ensopar de uma tristeza, e me deter,

senão não vou poder de ti me desligar.

É claro, isso não queria, mas pra quê

trazer meu barco se a lagoa vai secar?

Me compreenda e me auxilie a não querer

em área que é impossível navegar.

Rio, 26/03/1977