Desabafo de um “Poetastro”
Desabafo de um “Poetastro”
Quisera não ter os recursos da rima
Mil vezes ser um analfabeto
Pra quê suar sangue?
Pra escrever versos medíocres?
Repetir no papel a dor do coração?
O poeta coloca tudo no superlativo
Sofre demais, ama demais,
de uma gota faz um oceano
Mil vezes ser um analfabeto
Assim caminharia com mais sentido
Sem enxergar as mazelas da vida
Pois os poetas enxergam no escuro
E tentam com seus versos
guiar desesperadamente os outros
Sou o menor dos poetas: um poetaço
Sei que serei alvo de galhofas
O incompreensível é sempre estranho
Quisera ser um analfabeto!
Acabar de vez com a gramática.
Mandar a concordância pro inferno.
Conjugar os verbos de qualquer jeito.
Esquecer regras e conceitos.
Viver alegre como um néscio.
Perdão, velhos poetas, que muito li e aprendi.
Não jogo fora a inspiração,
mas o mundo não entende as poesias.
Foi tudo escrito em vão!
Perdão, velhos poetas!
Estão desperdiçando as poesias
e não quero as minhas jogadas no lixo.
Assim como eu, sei que choram de onde estão.
Meus poetas, meus mestres,
sabem que eu não minto
Drumonnd, ainda tropeçam em sua pedra.
Vinicius, tem piedade das mulheres
e se lhe sobrar piedade, tem piedade de mim.
Castro Alves, ainda precisamos do seu romantismo
e dos seus discursos eloqüentes.
Assim como você, meu xará (Mario de Andrade)
eu também suo sangue pra fazer um poema
-Vale a pena?Não, a alma de quem lê é muito pequena.
Ah! Bandeira, quando for a Pasárgada,
compre uma passagem também pra mim.
Minha canção do exílio, Gonçalves, será outra:
“Minha terra tem desgraças
onde grita a miséria”
É por tudo isso que estou com você
(Augusto dos Anjos)
Seu pessimismo é fruto da angústia de escrever.
Bilac, sua coroa foi de espinhos
Arranque-a de vez da cabeça, Príncipe!
O mundo ainda não consegue ouvir estrelas.
Hoje estou só, companheiros,
tentando caminhar no escuro,
mas tropeço sempre..Que desgraça!
Quisera ser um analfabeto!
Pelo menos enxugaria meu pranto com lenço
e não com papel, caneta e sangue.
MÁRIO PATERNOSTRO