Falta

De todos os dissabores

guardados a sete chaves

no cofre secreto do tempo

um resolveu fugir.

Era noite de chuva fina

e a chuva me dizia

(soluçando baixinho)

que esquecer não valia a pena.

De todos os dissabores

escondidos no coração

– músculo teimoso e vadio –

um queimava feito larva.

Era dia de São João.

Bastou um toque apenas

e ardi feito uma fênix

sem poder de ressurgir.

De todos os dissabores

do livro da minha vida,

escritos a pena e sangue,

um se achava segredo.

Cansou da poeira das horas

E numa revolta de vento

Revelou-se num grito surdo

De acauã sem maldição.

E pedras rolaram soltas

nas ladeiras nuas da cidade,

das ruas que ninguém visita,

da escuridão que ninguém fotografa.

Esmagaram o dissabor.

Aquele que resolveu fugir,

Que queimava feito larva

E revelou-se num grito.

De todos os dissabores

que procurei guardar

nos espaços remotos da lembrança,

foi esse o que mais amei.

E tudo está tão vazio

Falta um pedaço em mim

E, por mais dissabores que eu tenha,

Nenhum é tão grande

Para tomar-lhe o lugar.

No fundo, faz falta.