Maldita seja a poesia (Círculo de giz)

Deixo sangrar de meu ingênuo peito, palavras loucas, insanas: poucas palavras a esmo, murmúrios meio sem jeito - de quem o mundo não entende,

Mas sabe que não é mesmo direito, indefeso ao amor se entregar; [e certo o tombo vir sem demora, célere a nos machucar.

Caio sempre na recidiva, insensato humano que sou, nascido fora de hora, Pego-me sem alternativa, atarantado - lágrimas secas a derramar

Olhando sinais trocados, códigos não decifrados, portas lacradas, sem chave: belos apelos, inúteis - eis que ninguém os atende.

Há gente que ama a tristeza, vê no sofrer mais beleza, trabalha contra si mesmo, sabotando-se constantemente,

Faz belas poesias sofridas, ornadas de lindas palavras, prenhes de nostalgia, afastando prá longe a alegria, agindo eficientemente.

Exercem papéis de poetas, musas personificam também, os versos lhes correm fáceis, à desilusão se atém, presos na mesma corrente,

Unidos no dissabor, ogros desajeitados tentando falar de amor, conspurcando de forma indecente, versos que seriam belos se usados devidamente.

Aqui vai meu acusatório libelo, neste meu poetar singelo: amaldiçôo tais vates, às suas musas dou cheque-mate, em seu tabuleiro infeliz

Desenhado com nulas ações; abro mão das tergiversações, mirando inéditas paragens de bem mais claras mensagens, de mais ameno viver.

Quero falar língua de gente, gente que eu possa entender; que não se oculte nas sombras, gente que goste de vida, que não viva pensando em morrer.

Sei que meu desejo é ingente, difícil de realizar; no entanto é um desejar persistente de muito mais alto voar, voar alto e descortinar, fora dessa cortina gris, a poesia que agora fiz...

...não tornar minha poesia maldita e sair deste círculo de giz.

Constato que é muito difícil lidar com a idéia de que é preciso sofrer por amor, mentalidade dominante nas sociedades de pensamento permeado por uma visão de mundo errônea, sedimentada por séculos de dominação doutrinária judaico-cristã. Estamos tão habituados com a visão da mocinha ingênua, a sofrer por seu amado, ou então com a figura do homem sofredor, que nunca consegue realização em seu intento de amor, estereótipos que não se sustentam, quando se quer, realmente, amar e ser amado por alguém, sem meias-verdades.

Vale do Paraíba, manhã da terceira Quinta-Feira de Outubro de 2009

João Bosco (Aprendiz de poeta)

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 16/10/2009
Reeditado em 31/10/2009
Código do texto: T1869358
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