Caramujo
É preciso sufocar
Esta vontade de viver,
De se expandir, de se curtir,
Prá sobreviver
Dentro do que lhe foi permitido ter,
E continuar
A tocar prá frente
Como quem deve chegar
Aonde não se sabe...
É preciso matar
O desejo de sonhar
Prá não ter que comparar
O que se pode com o que se quer.
É preciso deixar
O que se quer prá amanhã
Prá não se ver perplexo
Ante o hoje tão sem nexo...
Prá não deixar que o reflexo se faça
Onde resta um pouco de você.
É preciso proteger o ventre,
Criar grossas cascas,
Virar caramujo.
Manter o núcleo, limpo e vulnerável,
Por sob o casco resistente e sujo.
É dentro do meu casco em caracol que eu me permito
Dar mil voltas em torno de mim mesmo,
Descobrir os caminhos do infinito
Sem ser obrigado, em cada volta,
A sufocar um grito...
Ah! Eu quero olhar a luz na boca desse túnel
Que é parte do meu próprio eu,
E buscar de mansinho a saída...
E achar a maneira
E o momento de ir de encontro à barreira
E transpor a fronteira para ver
A luz que vem de fora,
Marcando um doce amanhecer,
Ser o ser que sabe quando é chegada a hora
De se lançar sem medo
No momento do agora,
E que, ao chegar do outro lado,
Já livre,
Chora
Ao sentir como é lindo nascer!