MONÓLOGO DE UMA SOMBRA
De repente, ouvem-se passos pela madrugada,
No silêncio aterrador, na escuridão.
Sou eu, perdido em minha ânsia sufocada,
Espalhando a minha dor pelo chão.
A minha alma vazia grita de pavor,
Ante a inexistência de uma aurora.
Suplica uma só resposta que for
Ao Destino, guardião das horas.
Sento-me no eterno breu da esperança
E contemplo o estopim a se findar.
Será o meu martírio uma herança,
Ou será a minha sina a se declarar?
Vem o Passado e é como uma besta, um emissário da agonia.
Mais um, mais um a judiar de mim!
Só que agora não se esconde em fantasia,
Mostra-se na realidade do meu fim.
E que imagem funesta se expõe à minha frente,
Ali, na aflitiva mesmice dos minutos,
Quando todos os corpos são dormentes
E todos os desejos mudos!
Então penso no Tempo, esse mágico regente do Universo,
E em todo esse cotidiano que agora repousa em paz:
À noite todas as pessoas estão temporariamente mortas,
Todos os ódios embalados pela inércia do corpo,
Todos os tiranos gozam o sono dos insensíveis,
Todos os miseráveis deixam suas tragédias de lado.
Fervilham por aí um amor desmedido,
Um crime praticado,
Um ato impensado,
Um peito apunhalado...
À noite todas as delegacias se entregam ao ócio,
Os hospitais preparam uma má notícia,
Os cemitérios se enchem de almas atormentadas
E as esquinas ostentam restos de despachos de uma fé crua.
E eu sofrendo, me perdendo, me absorvendo, doendo, morrendo...
Então rompe o Sol, estrela maior,
E fustiga minhas pálpebras pesadas.
Banha tudo de rubro ao redor
E empurra a noite para o nada.
Tão extraordinariamente
Tudo em vida se faz.
Agora é ser vivente
O que era morto tempos atrás.
E porque sou carne em um santo destino,
Sou impotente diante do Infinito,
Repouso-me em um canto qualquer
E deixo-me arrastar para a imensidão...
Vagner Rossi