Cegueira
Porque enveredei por esse longo caminho de espinhos e brasas?
Não existe um tapete de pétalas de rosas que proteja meus pés desnudos,
sangro a cada passo sem no entanto conseguir escapar desse tormento,
martirizo corpo e espírito vendendo minha alma num comércio sem retorno,
mesmo sabendo que não há qualquer redenção para os pecados do coração...
Sigo como um estúpido a cegueira que provoquei ao expôr minha retina ao sol forte,
desconstruindo-me em fragmentos solúveis que escorrem pelo córrego da sargeta,
sou um "João bobo" esperando as pancadas da garotada em festas de aniversário,
sorrindo para minhas próprias lágrimas sem qualquer valor de capital simbólico,
tentando não entender o que o destino grita em meus ouvidos de forma estridente...
Porque resgatar-me do purgatório para retomar o inferno de mim mesmo?
Não há orações capazes de salvar quem já se perdeu em sua própria insanidade,
velas e lanternas não iluminam um trajeto onde reinam tempestades e vazios silenciosos,
não quero ser uma experiência de laboratório, trancado numa jaula aos finais de semana,
enquanto o cientista respira o ar puro ao "experimentar sua vida" fora dos tubos de ensaio...
Prefiro um inferno solitário onde só existam meus próprios demônios à me perturbar,
não posso ser a consolação de depressões momentâneas sem me destruir ainda mais,
minhas culpas não serão extirpadas com sofrimentos impingidos à ferro e à fogo,
nem meu esquartejamento servirá de exemplo às gerações perdidas do porvir,
pois dessa terra árida que me sepultará só terei o esquecimento gravado na lápide...