UMA VELHA FOTOGRAFIA

De ti restou o grito,

preso em uma fotografia,

uma imagem que sangra

sua plena agonia.

Restaram o ar de desencanto

e a alma derrotada,

pelas tragédias da vida

e sua potente porrada.

Restou esse amálgama

de lágrimas e saliva.

Restou a palavra surda,

mais morta do que viva.

Em mim ficou a estranha

sensação de não-surpresa,

pois sabia que tua vida

não era livre, mas presa

a conceitos impingidos

por cartilhas mentirosas,

que te mostraram o deserto

e te pisotearam as rosas,

aquelas rosas cultivadas

no jardim de tua infância,

destruído pelo tempo

em que viveste a inconstância.

Morreste como incréu,

tu, amante de certezas.

Morreste tão igual

aos que negam as belezas

do mundo e da existência,

em nome de uma utopia,

cujo telhado, sabemos,

jamais verá a luz do dia.

Sonhaste, como tantos,

um outro mundo possível,

mas ganhaste só a morte

e seu mistério terrível.

Eis o resumo de tudo

o que foi a tua vida:

um grito vago e vazio

preso numa fotografia.