NAS CINZAS DE UM CIGARRO

NAS CINZAS DE UM CIGARRO

Josa Jásper

De encantos transbordante te revi, contente.

Jamais te vi tão bela e tão inteligente,

Conforme agora vi, em gozo de dispensa!

Eu nem sabia se falava ou se te ouvia,

Tão talentosa que te achei naquele dia,

Tão grácil, expansiva e cheia de presença.

Mas, em seguida, eu entrevi que, em gesto frio,

À vista incrédula e tristonha do teu tio,

Era um cigarro aceso entre os teus dedos posto.

Fumaste, bem o vi, com tanta maestria,

Que, na desilusão, compus esta poesia,

Em que se faz presente a sombra do desgosto.

O fumo - hás de pensar - é um vício tão pequeno

Que não se amolda a essa paixão com que o condeno:

Acalma os nervos, estiliza e dá prazer.

Mas quem se rende ao vício fraco totalmente,

Acaso venceria o vício mais potente,

Se pelo vício débil se deixou vencer?

Fumar não dá prazer, o fumo é só veneno!

É alcatrão, é furfurol, benzopireno,

É nicotina, colidina, piridina...

Causa halitose, disfunções, taquicardia,

Tira o apetite e a saúde a cada dia,

É um desafio muito sério à Medicina!

Quisera em versos não me fosse a luta inglória!

Tracejo, triste, a cada linha, a tua história,

Que li nas cinzas de um cigarro em teu cinzeiro:

Falavam-me de ti, da tua inteligência...

Falavam-me do amor... Ó Céus! Quanta exigência!

Enfim, a solução: achaste um companheiro!

E, por capricho ou ironia do destino,

É puro o teu rapaz, um ser quase divino,

Do qual jamais um vício aproximar-se veio.

Temor imenso, então, tiveste de perdê-lo

E transformaste um belo sonho em pesadelo.

Deixar o fumo, a solução! E havia meio?

Provável me parece, ao menos, que, de início,

Foste feliz na camuflagem do teu vício...

Porém, durante um dos passeios familiares,

Do dedo indicador da tua mão direita,

A unha amarelada despertou suspeita.

E assim... pra que mentir?

Foi bom tu confessares!

A voz quase faltou, mas revelaste tudo!

Imaginaste o fim de um grande amor. Contudo,

Em vida desfrutaste a mais grata surpresa

Quando ele, apercebido do teu nobre gesto,

Aconselhou-te brando, sem nenhum protesto,

Recompensando-te o valor de tal franqueza.

Cigarro após cigarro o tempo se passou;

Mas nem por isso o amado jovem te deixou

E vinha, entre a fumaça, ver-te, pois te amava.

Em breve te casaste e guardo na lembrança,

Numa das mãos, o doce encanto da aliança,

Enquanto "alguma coisa" noutra fumegava.

O tempo prosseguiu: um mês, dois meses, três...

E inesperadamente surge a gravidez

Trazendo aos jovens pais um ar preocupado.

O teu marido expunha, de razões repleto,

O mal que a nicotina causaria ao feto,

Se a mãe o sujeitasse a um sangue envenenado.

E elaborou, por fim, certa maneira

(Quem sabe mesmo a tentativa derradeira)

de conquistarem decisiva solução,

com a promessa de entregar-te o que escolhesses

Depois que comprovadamente tu vencesses,

Abandonando o fumo, em toda a gestação!

E nunca mais cigarro em lábios teus foi visto!

Feliz me sinto agora no relato disto

E muito mais feliz sentiu-se o teu marido!

Teu hálito mais puro, os dentes bem mais brancos,

De tal maneira realçavam teus encantos,

Que só nas fadas de outros tais se havia lido!

É noite enluarada. Gestação completa.

Espera angustiante. A sala está repleta.

Nela vagueia, apreensivo, o teu esposo:

Caminha em círculos, espreita o corredor...

Mantém, no olhar atento, um tímido fulgor

De quem, também feliz, se sente receoso.

Enfim, o Criador mais um milagre opera

E, após as mais diversas emoções da espera,

Ouve-se um choro, no slêncio do hospital!...

E teu marido entrou atônito, depressa,

Contmpla o filho e lembra da promessa

Que, para o fumo, fora a cura radical!

Colaram-se em teus lábios seus lábios de abstêmio

E logo perguntou: "Que queres tu de prêmio?

Se é teu meu coração, expõe-me os seus segredos!"

Choraste, enternecida, e nada respondias,

Pois como responder, se tudo o que querias

Era um cigarro aceso posto entre teus dedos?