O obssessivo-compulsivo

Tentar achar o caminho

do impossível

não ir, não tentar, não sorrir para o rosto que sorri,

ser o autômato pacato e silencioso

o poeta de bronze de milenares solidões,

oh! eu tentei

extraí da música o melhor encanto

retirei das manhãs o frescor mais vital

mas nunca alcancei teu amor inocente

jamais consegui completar o beijo que me deste,

o dia hoje

é sombra

as nuvens ecoam meu pesar

todas as horas estão repletas de sangue e convulsão,

no afago encharcado de dor

na memória saturada de clonazepam e neblina

eu vejo tuas feições e abraços

mergulho na miragem tépida das ruas indistintas,

oh! eu tentei

achar o caminho

dentro da mente

não quero mais

as rosas, as cartas, as promessas, a esperança

tentei achar o caminho quase rasgando a carne e incrustando entre os nervos as sensações peculiares, perfeitas, indizíveis

do amor,

um café

na tarde fria,

entre transeuntes sou alheio, estou nas faces que guardam o

esquecimento,

como tentei

em cada toque de mão, cada beijo

encontrar um sentido que desconhecia,

algo que aniquilasse o sabor amargo do distanciamento,

agora

pernas inquietas, corpo inerte, mente revirada pelas obsessões

cruas e persistentes, tão cheias de desespero,

quero dormir

no ritmo silencioso de uma oração

nesta calma rude dos minutos que não passam,

sonhar com as crianças dizendo pequenas tolices

com as mães que abraçam seus filhos à morte

tão pequenos,

era assim

desta maneira

todas as árvores, belas flores, estrelas fulgurantes, paisagens majestosas

eram os cabelos da mulher amada

inatingíveis quais sequóias centenárias

todas as estradas poderiam ser os caminhos de tua carne trêmula

e doce,

mas não

não encontrei as respostas

e as estradas foram apenas

corredores sufocantes de um lugar atormentado

onde um corpo se debate na centésima crise, onde os olhos latejam de dor com o choro contido,

oh! como tentei, até mesmo retirei as máscaras

revelei minha face obcecada pela certeza

que não existe, que nunca veio,

era sempre

nos fins de tarde um suspiro de piedade

nas noites frias um abraço descompassado,

tudo agora é pálido

lua, horas, quadro pintado de sombra

incandescência repentina de teus olhares,

achar o caminho, a resposta

minha casa está fechada, só há um corpo num quarto

no fundo da memória a saudade se fez metástase

espalhando a loucura

incerto presente

Deus

ajuda-me a ser outro pulsar, outra realidade, outro coração

batendo sem angústia,

um outro ser em outros caminhos,

eu tentei, meu amor, tentei ...