Parto
Há sempre a criança que é presa
Bem dentro dess’alma anciã.
Menina sentida, guardiã
De muito segredo e indefesa.
É escuro esse mundo em que habita,
Seus olhos só vertem dolência.
Queria ser livre, e a ausência
De tal liberdade suscita
Somente a incoerência em não ser.
De sonhos pagãos se alimenta,
E na fantasia acalenta
A fome que tem de viver.
A olhar-se no espelho, surpresa,
Um susto, ao saber-se bonita.
Mas foge da imagem, evita
Fixá-la e manter luz acesa.
Tecendo a existência, é artesã
Dum’outra que vê florescer.
E busca estar só, se esconder,
Por não poder ser cortesã
De si, sem rever sua essência...
Em parto, se perde a placenta
Restando uma só vestimenta:
A imagem sutil da inocência.