O MENINO, AS PEDRAS E O LAGO
Primeiro, a escolha das armas:
revolve-se o cascalho
da margem,
em busca de pequeninas pedras,
lisas,
em forma de cunha, enviesadas,
que possam aninhar-se
na palma da mão.
Há que sentir um leve
pulsar nelas,
como se os fragmentos vibrassem
com o repentino agasalho.
Depois, mira-se o lago,
a superfície mansa,
estática
- céu azul na imagem
invertida -
nuvens brancas,
silêncio matinal
num assovio de pássaro.
Descreve um arco milimétrico
a primeira pedra lançada.
Uma, duas, três, quatro vezes
ela salta e beija o espelho d'água.
Olhos de lince
perseguem as marcas
- epicentros de minúsculas
ondas se espalham...
até onde irão estremecer
a bucólica paisagem?
A vontade de atingir
o meio do lago,
a outra margem...
quem sabe?
O dia flui na seqüência
das horas,
na aterrissagem das pedras.
A tarde ígnea desponta
e o rapaz prossegue desafiando
a perícia, o alvo e o tempo,
o tempo todo...
As pedras já faltam
e o lago noturno parece adormecer
os olhos do homem exausto,
profundamente mergulhado
em vestígios do dia.
Dos vários sonhos lançados
naquelas águas
trêmulas,
restaram os dedos feridos,
os amores passados
e uma quase felicidade.
Sem alarde, a vida inteira
já havia ali transcorrido,
à beira
da margem esquerda do lago.