O MENINO, AS PEDRAS E O LAGO

Primeiro, a escolha das armas:

revolve-se o cascalho

da margem,

em busca de pequeninas pedras,

lisas,

em forma de cunha, enviesadas,

que possam aninhar-se

na palma da mão.

Há que sentir um leve

pulsar nelas,

como se os fragmentos vibrassem

com o repentino agasalho.

Depois, mira-se o lago,

a superfície mansa,

estática

- céu azul na imagem

invertida -

nuvens brancas,

silêncio matinal

num assovio de pássaro.

Descreve um arco milimétrico

a primeira pedra lançada.

Uma, duas, três, quatro vezes

ela salta e beija o espelho d'água.

Olhos de lince

perseguem as marcas

- epicentros de minúsculas

ondas se espalham...

até onde irão estremecer

a bucólica paisagem?

A vontade de atingir

o meio do lago,

a outra margem...

quem sabe?

O dia flui na seqüência

das horas,

na aterrissagem das pedras.

A tarde ígnea desponta

e o rapaz prossegue desafiando

a perícia, o alvo e o tempo,

o tempo todo...

As pedras já faltam

e o lago noturno parece adormecer

os olhos do homem exausto,

profundamente mergulhado

em vestígios do dia.

Dos vários sonhos lançados

naquelas águas

trêmulas,

restaram os dedos feridos,

os amores passados

e uma quase felicidade.

Sem alarde, a vida inteira

já havia ali transcorrido,

à beira

da margem esquerda do lago.

Flavio Villa Lobos
Enviado por Flavio Villa Lobos em 22/06/2008
Código do texto: T1045895
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.