quando perguntarem do nosso fim
me pergunto que parte de nós você vai contar aos outros.
o que você vai dizer sobre nós e o nosso fim?
como vai explicar porque aquele casal que parecia feito um para o outro acabou tão de repente?
daqui a alguns meses depois do nosso término.
eu sei que você vai levar um tempo para superar e contar as pessoas sem sentir tanta dor.
vai levar um tempo até que eu deixe de ser presença constante na sua casa e me torne apenas ausência dentro do seu âmago.
a minha falta vai reverberar com menos cadência com o passar do tempo.
quando a sua boca tiver esquecido a textura da minha,
quando o seu corpo não lembrar mais o arrepio do meu toque,
quando as nossas palavras não se esbarrarem mais em sussurros apaixonados,
quando nossas conversas não embrenharem em momentos de descontração sobre política, os filmes que vamos assistir ou os lugares que vamos conhecer,
quando eu me tornar uma lembrança inoportuna no meio do dia,
me pergunto que parte de nós você vai contar aos outros.
você vai contar que eu te vi acordar em dias preguiçosos, em que só queria ficar na cama.
que eu te trazia café da manhã na cama e te acordava com beijinhos.
que as tuas mãos encontravam as minhas debaixo do cobertor.
que nós nos olhávamos em silêncio e só havia amor entre nós.
porque o amor é esse lugar em que diálogos triviais são dispensáveis, pois a compreensão mútua é imediata.
você vai falar do dia que inventou de fazer massa caseira para o jantar e conseguiu acertar farinha no teto.
vai contar do dia que uma joaninha pousou no teu ombro e você congelou no lugar porque tem medo de insetos.
de como você correu na minha direção como se eu fosse a sua tábua de salvação.
lembro de rir muito e de pensar comigo:
talvez seja uma das joaninhas que você trouxe para cá depois que te conheci.
joaninha é símbolo de boa sorte e que realiza desejos.
pensei em como você era a minha boa sorte e a realização de um desejo que eu nem sabia que tinha.
talvez ela quisesse te conhecer por sentir que você era feito de afeto.
me pergunto se você vai contar que se permitiu ser visto de verdade pela primeira vez.
sem escudo e a necessidade de ser forte o tempo todo.
que você chorou pela primeira vez na minha frente quando me contou da sua infância e o relacionamento complicado com seus pais.
suas crises de ansiedade em que você me abraçava como se quisesse se agarrar em algo sólido.
que você tem medo de não ser quem é no futuro que planejou.
que se sente deslocado em ambientes cheios e que me procurava com os olhos.
que quando te conheci você achava que jamais ia conseguir amar alguém.
porém, ninguém me amou como você, com tanta devoção e sinceridade.
você vai contar, meu amor.
que eu também amei você como se todas as batidas do meu coração fossem suas.
que eu te vi nos dias alegres e fui seu colo nos dias tristes.
que eu mudei o seu corte de cabelo e as suas roupas.
que eu pude te ver despido de tudo.
que você me mostrou todo o seu ser.
sem ego e orgulho. medo e esperança.
que eu te mostrei minha fragilidade e sensibilidade nesse dia e você me acolheu.
o que você vai dizer sobre nós quando perguntarem porquê acabou?
o que você vai falar sobre nós quando perguntarem o que fomos e como fomos um para o outro?
me pergunto que parte nossa você usaria para definir tudo o que nós fomos, meu amor.
como definir nós se fomos tão imenso, tão bom, tão infinito até ser finito e final?
que parte de nós você vai contar para os outros quando perguntarem do nosso fim?
(você imagina o que ele contaria?).