Apesar de pela lei de fato eu ser escravo

Apesar de pela lei

De fato eu ser escravo

Olho para mim mesmo

E não me reconheço

Pertencendo a ninguém

Senão a mim mesmo

Não posso como homem

De posse de minhas

Funções mentais e físicas

Pertencer a outro homem

Me dá pouco alimento

Pouca vestimenta

E como abrigo

Uma senzala infecta

Sem espaço entre os outros

Nem é abrigo da chuva

Pois tem tantas telhas quebradas

A água inunda os lugares

Onde dizem descansamos

Dos trabalhos pesados

E para nos entorpecer

Domingo nos dão cachaça

Para dançarmos nossas danças

Não podemos nem cultuar

Nossas inquices e se

Queremos continuar

Acreditando nelas

Temos de fazer escondidos e somos

Obrigados a ter a religião

Dos senhores e dos sacerdotes

Tem nojo de nós todos

E não nos deixam nem entrar

Nas suas igrejas

Embora prefira jamais

Entrar mesmo

Pois lá dentro

Tudo conspira contra

Nossa liberdade e

Humanidade

Havendo quem diga

Lá nos seus sermões

Não temos nem alma

Sabem muito bem

Temos corpos

Pois nos maltratam a todos

Até mandam no mais

Íntimo de nós

Para mim impõem

Seja um disseminador

De vidas escravas

E me deite querendo

Ou não querendo

Podendo ou não podendo

Com toda escrava

Em tempo de procriar

Não consideram nem

Meus sentimentos e

Meu querer

Nem o querer das mulheres

Têm de estar prontas

Para os escravos mandados

Para emprenhar querendo

Ou não querendo

Podendo ou não podendo

Para o senhor quando quer

E escolhe

Para os da família do senhor

E para os feitores

O importante é aumentar a renda do

Senhor para ter mais

Braços para trabalhar

Ou para vender

Mandar para longe e

Separar famílias e

Afetos provocando as

Dores das almas

Como se não bastasse

As dores do corpo

Tenho vinte e cinco anos

E aos trinta talvez

Vá morrer

Moído de trabalhar

E moído de engravidar

As mulheres da senzala

Para produzir mais

Infortunados para a escravidão

O senhor não sabe nem

Sei ler pois aprendi

Escondido de noite

Com o haussá chegado

De São Salvador da Bahia

Me ensinou português e árabe

Aqui na fazenda de Campinas

Nessa província de São Paulo

Antes havia pensado no banzo

Para me livrar do cativeiro

Mas hoje o muçumirim

Me convenceu é preciso

Lutar para libertar todo o

Povo e foi para isso

Alá nos chamou

Acredito em Alá

Em Olodum, Zambe

E nos orixás da África

Só não acredito no

Deus desses cristãos

Católicos ensina

A nos dominar

E destruir

Para mim ou

É banzo ou

É luta para

Libertar

Todo o

Povo do cativeiro.

Rodison Roberto Santos

São Paulo, 21 de junho de 2024

Rodison Roberto Santos
Enviado por Rodison Roberto Santos em 28/09/2024
Código do texto: T8161697
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.