Ao meu próximo, que nunca desprezei o tanto...
I
Meu amor
eu não presto.
Declarar que coisa a ti
Que não acuses dissimulação?
Então, amado
Meu afeto
trocado,
De todo o coração
só a verdade
declaro:
Que a tua piedade
Não desejo;
Que as acusações
Que me lanças
Não rebato.
Sem esperança
Relato:
Eu não presto
É um fato.
Creio,
Sem lamento,
Que falho
no cumprir do mandamento:
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo".
Verso cristão simples
Branco preceito.
Toda condição humana
Diluída
No divino conselho.
Eu e o outro
O outro e eu.
Espelhos na dor
No amor
No desespero.
Duplos
Imperfeitos
Daquele que nos concebeu.
No rosto do outro
Há tanto, meu pranto
traçado.
Eu e meu próximo
Sozinhos
Descontínuos
Mas próximos.
Se o outro me faz
Se no outro me faço
Seria justo amá-lo
Tanto quanto a mim
Mas não é o caso.
No labirinto mental
Me perco.
Na orgia das ideias
Te traio.
A elas
Me entrego
Nelas é que vivo
Por vezes é que me bastam
Assim tão férteis, idílicas.
Não te amo tanto
quanto
minhas devassidões oníricas.
II
Nascida sozinha
Pelo amor
agraciada.
Nem ágape, nem filia
Só por eros
flechada.
Egoísta
E cadente
Nada além da carne
Me transcende.
Me acusas de liberdade
De libertina
Sou, porém, de mim
(cativa)
Escrava da Vontade.
Deus te livre,
meu amor,
dos caprichos
dessa senhora
cuja mão te alimenta
e a boca te devora.
III
Te vejo
quando me apraz.
Te amo
quando me convém.
Como aceitas uma paixão
cativa da minha inspiração?
Deus te livre do meu desejo
Da minha vontade
Eu te objetifico,
Moldo à minha necessidade.
Satisfeito o anelo
Te despejo.
E me resto túmida
De corpo fresco
E alma pútrida.
Na verdade,
Devo ser a mais devota
Do divino preceito,
Pois se te envolvo
em meu desdém
É porque nele também me deito.