O PÃO DE CADA DIA
“Ode para Maria João”
O pão de cada dia, tornado poesia,
É tudo, prós poetas, menos fantasia;
Tomara que desta labuta saísse magia…
Mas não. Apenas sangue e lágrimas, todavia!
O pão de cada dia, de escuridão e labor,
Do corpo e da mente escorrendo de suor;
Das horas primas da manhã até ao sol-pôr
É, no dia que passa, a vida e o real valor.
O meu cavalo d´ asas ou sem asas, alazão –
Não suporta jamais a minha ilusão;
E verso a verso, de emoção em emoção,
Recria a dor, a minha dor, a minha paixão,
Aquela que vive em mim, e mora a toda a hora,
Meu gesto, minha obra, pela vida fora;
Feita poema, numa epopeia que decora
A minha aventura primeira desde outrora.
O pão de cada dia, deixa lá, ó poeta,
Nunca poderá ser alegria completa;
Quem é poeta vive uma solidão d´ asceta
Num horizonte qu´ é tudo, menos linha recta!
O pão de cada dia é minha lira sagrada,
Que bate à minha porta em cada madrugada;
Minha seara, minha espiga arrecadada,
Meu celeiro, poema-dor e massa levedada…
Arar a terra, retirar espinhos e abrolhos,
Lançar a sementeira na espera de bons olhos,
Eis, ó semeador-poeta, onde os teus escolhos?
Não deixes perder grãos por entre vis restolhos…
O pão de cada dia, assente em cada frágua,
Todo envolto por um sabor de fel e mágoa…
Mas é o teu alimento – de bágoa em bágoa –
Na margem das horas e numa taça de água.
Frassino Machado
In INSTÂNCIAS DE MIM