NARCISA

Amei Narcisa, a Bela,

E a ela entreguei-me inteiro.

Pensei em ser-lhe Narciso

E me espatifei em cacos

No chão escuro onde piso.

Narcis'a si mesma se amava

Com um amor tão imenso

Que a própria luz lhe cegava.

Em face do meu lusco-fusco,

Seu brilho era mais intenso.

Meu grito era só um eco

Do amor que muito queria.

No bosque da longa caçada,

Minha própria voz se ouvia:

"Estou aqui, amada... amada..."

E eu gritava: "Venha!

Venha!", gritava a Narcisa.

"Estou aqui, se quiser..."

Para mim, uma voz precisa,

Para ela, um outro mister.

O eco embotou meu siso,

Passei a ouvir o que quis.

E a bela flor de Narciso

Tinha matiz impreciso

E perfume de meretriz.

Quebrou-se o vaso sagrado,

Convertendo-se em cacos,

Rompendo encanto e magia.

De olhos secos e opacos,

Torpor lasso da nostalgia.

Kleber Versares
Enviado por Kleber Versares em 04/03/2022
Reeditado em 18/04/2023
Código do texto: T7465260
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