NARCISA
Amei Narcisa, a Bela,
E a ela entreguei-me inteiro.
Pensei em ser-lhe Narciso
E me espatifei em cacos
No chão escuro onde piso.
Narcis'a si mesma se amava
Com um amor tão imenso
Que a própria luz lhe cegava.
Em face do meu lusco-fusco,
Seu brilho era mais intenso.
Meu grito era só um eco
Do amor que muito queria.
No bosque da longa caçada,
Minha própria voz se ouvia:
"Estou aqui, amada... amada..."
E eu gritava: "Venha!
Venha!", gritava a Narcisa.
"Estou aqui, se quiser..."
Para mim, uma voz precisa,
Para ela, um outro mister.
O eco embotou meu siso,
Passei a ouvir o que quis.
E a bela flor de Narciso
Tinha matiz impreciso
E perfume de meretriz.
Quebrou-se o vaso sagrado,
Convertendo-se em cacos,
Rompendo encanto e magia.
De olhos secos e opacos,
Torpor lasso da nostalgia.