"Você abandona coisas demais pra quem diz não ter nada"
A vida saboreou faminta, meu bem
Um prato frio de prantos reprimidos
Regado a mágoas guardadas de meses atrás
Resgatado feito praga, de súbito, em uma noite só.
A mesma noite soprou sem pena também
Um vento de inverno carregado
De vestígios internos em relação a nós,
A coberta ficou cada vez mais curta e
Quando vimos disputávamos lençóis.
Atravessamos noites inteiras, intrépidos
Num colchão no chão de solteiro
Olhares certeiros encarando o teto
Concentrados em carícias, afoitos afetos
Agora essa cama imensa parece pequena e
Sequer conseguimos dividir o mesmo travesseiro.
Algo quanto a encenar não nos foi ensinado
Talvez um dia ao invés de inventar
A gente volte sem venda e aprenda
Como cada cômodo diz sobre quem o frequenta,
Entrega o sujeito e o conduz à sentença,
Pelo gesto expressado e o volume da voz.
Acompanho um elo entre nós partindo e
A incerteza desgraçada de valer a pena
Relutar contra o óbvio a ser consertado
Rotular tudo e determinar prazos. Entenda,
Não é só de paredes e teto que se faz um lar.
As respostas tão óbvias pras canções de amor
Não se completam mais naturalmente
Como antigamente fazia questão de ser
Ser livre a prosa, ser breve a dor, seja lá como for,
Se não for intenso acaba por murchar
A rosa decompondo a flor.
O que se escreve não condiz com o presente
O que se sente ultimamente é triste e
O que ainda permite sentir parece impotente.
Não é novidade um pro outro abandonar,
O ato, negar os fatos, ao ar os pratos, em solo quebrar.
Encontrar no comodismo conforto e ser do mesmo refém,
A gente já se abandonou há um tempo atrás
Porém é preciso postura pra admitir
Que libertar traz alívio ao partir
Sobrepondo a euforia de quando
Permitiu entrar e apreciou amar.
06/03/2021