Sobriamente




Caminho, fui descalço.
Ninguém, simplesmente ninguém percebia
que fui sem o destino procurado.
Entre pessoas que passavam,
alguém sem notar sorria.
Era um fluxo cativante,
quase um grito de levante.
Mas ninguém notava
que nu, descalço, alguma coisa estava,
talvez querendo uma palavra
que fosse a palinódia do passado
que afogou no peito,
morrendo na boca ácida.
Só que ninguém percebia.
Fui mais um transeunte solto,
sem madrugadas, sem tetos,
sem tempo aos doces afetos.
Mas eu, na incoerente viagem,
eu minava seu olhar último
naufragando pela janela
que queria um raio de sol,
ao menos o brilho quente
que viesse e disfarçasse a frieza.
Apesar de fria, muito fria, foi doce
como o mel que surgiu no primeiro beijo,
inesquecível tal qual o despir da hora,
o momento que fato se fez em notícia,
manchete bem percebida,
apenas não lida e relida.
Não foi escrita, foi profanada
verbalmente pelo salto das bocas.
Só que caminhei, descalço,
colhendo o frio nos pés,
o gelo na alma.
Agora dopado, passo sem reconhecer
que a vida marcou, feriu.
Entendo só as cicatrizes,
rasgo completo de um grande amor
que rompeu tudo, varou a rotina
parando no ar que respiro, que não sinto.
Agora, neste instante; agora só sono,
o descanso sem sonhos
para uma nova dose de esquecimento
quando vir o amanhã,para que não haja caminhos
desapercebidamente por todos.