eu, e o Barba Azul
(essa poesia foi inspirada em um conto do livro Mulheres que correm com os lobos)
Por muito tempo
Fiquei castrada
Na minha tagarelice
Que te incomodava
Tentei conter
Minha gargalhada
Minha voz alta
Os meus excessos
Tão incompreendidos
Pela tua perspectiva
Fala.
Silenciei
Calei
Engoli as palavras
Adoeci aos poucos
Já não me reconhecia
Nem mesmo me importava
Eu só me esforçava
Em não ser eu
Pra te agradar
Não te machucar
Com minha inadequação
Com a falta de trato
Minha feiúra escancarada.
Eu não era boa
O suficiente
Nem para mim
Nem para você
Nem para meus amigos.
Eu era um protótipo
Algo sem vida
Fabricada para atender desejos
Sem se rebelar
Apenas aceitar
Performar
As coisas certas
A programação incorporada
Sem dar bug
Curto-circuito
Uma robô
Com peças instaladas
Fragmentadas
Pelo trauma
E quando me dei por mim
Estava oxidada
Virei sucata
Entulho de lixo.
Precisei recolher toda a tralha
Reciclar tantas partes de mim
Em uma nova construção do eu
Já cheio de ranhuras
E de segunda mão
Porém mais forte
Aprendi a mecânica do abuso
A engrenagem que a faz girar
Mas não,
Essa carcaça não está à venda
Estou calibrada
Não vou ser controlada
Por comandos alheios
Eu mesma me refaço
Me monto inteira
Sem manual de instruções
De homem abusador
Alheio.