Fúria e Fuga

Tu me abraça forte e eu evaporo.

Sou a tua Dafne e tu és meu Apolo.

Tu me define em pensamento canoro,

Me captura em um metódico recorte.

Todavia, de sua ideia eu não corroboro;

Antes, dentro de ti, me recrio infinita, inconstante e disforme;

A cada raio de sol, tu és sul e eu a tornar-me norte.

Tu, por sua vez, me persegue como um guepardo feroz;

Eu, fugitiva então, transmuto-me em precisa águia, algoz.

Tua fúria viva anseia com todo o corpo por minhas penas,

Enquanto eu, sacerdotisa da fuga, ti sobrevoo alto e serena.

Tu agora me pinta, para ter-me presa em uma tela, uma cena

Pinta-me perdida em um bosque, pura e inerte,

Entre margaridas e tulipas de uma cor só

Contudo, teu pincel nunca alcança minha forma mais celeste

E, antes que tu possa me finalizar e admirar,

Fenecida entre as pétalas já tornei-me pó.

Mas, tu não desiste de me concretizar

E então esculpe-me decidido, sedento

Em terra, mar, fogo e vento;

Caçando com precisas mãos minha plenitude, meu momento

De ser tua. Momento de brilhar só para ti, nua como a lua.

Mas já transcendi, meu bem. Vendi minha alma ao universo

Para nunca ser sua. Tornei-me matéria escura;

Sou viscosa e crua; uma serpente nebulosa,

Que não se vê, não se toca;

Todavia te envolve, te inebria, te transporta;

Te conduz, sempre, à beira de me encontrar

Para que não cessem jamais por mim, seu amor e sua dor

Enquanto em prazer, eu estarei sempre a fugir, a evaporar, a escapar

Para além de ti, misteriosa presa que sou, meu amado caçador.

Klethon Gomes
Enviado por Klethon Gomes em 25/11/2019
Código do texto: T6803809
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