Fúria e Fuga
Tu me abraça forte e eu evaporo.
Sou a tua Dafne e tu és meu Apolo.
Tu me define em pensamento canoro,
Me captura em um metódico recorte.
Todavia, de sua ideia eu não corroboro;
Antes, dentro de ti, me recrio infinita, inconstante e disforme;
A cada raio de sol, tu és sul e eu a tornar-me norte.
Tu, por sua vez, me persegue como um guepardo feroz;
Eu, fugitiva então, transmuto-me em precisa águia, algoz.
Tua fúria viva anseia com todo o corpo por minhas penas,
Enquanto eu, sacerdotisa da fuga, ti sobrevoo alto e serena.
Tu agora me pinta, para ter-me presa em uma tela, uma cena
Pinta-me perdida em um bosque, pura e inerte,
Entre margaridas e tulipas de uma cor só
Contudo, teu pincel nunca alcança minha forma mais celeste
E, antes que tu possa me finalizar e admirar,
Fenecida entre as pétalas já tornei-me pó.
Mas, tu não desiste de me concretizar
E então esculpe-me decidido, sedento
Em terra, mar, fogo e vento;
Caçando com precisas mãos minha plenitude, meu momento
De ser tua. Momento de brilhar só para ti, nua como a lua.
Mas já transcendi, meu bem. Vendi minha alma ao universo
Para nunca ser sua. Tornei-me matéria escura;
Sou viscosa e crua; uma serpente nebulosa,
Que não se vê, não se toca;
Todavia te envolve, te inebria, te transporta;
Te conduz, sempre, à beira de me encontrar
Para que não cessem jamais por mim, seu amor e sua dor
Enquanto em prazer, eu estarei sempre a fugir, a evaporar, a escapar
Para além de ti, misteriosa presa que sou, meu amado caçador.