Nem eu sei

Nós dois sentados na varanda

Um louco baterista e uma jovem diplomata

Ouvindo os passarinhos cantando jingles de propaganda

De pratos de porcelana croata copiados por uma empresa pirata

Essa aparência de dois que na verdade são um

Numa enchente viva de anjos espirituosos beberrões

Com o vento soprando uma brisa de centeio comum

E essas malditas aves repetindo as mesmas canções

Nesse pobre repertorio natural

Em meio as discussões de como é difícil ser santo nesta cidade

Ainda nem chegou o natal e já se fala em carnaval

A vadiagem sem disponibilidade

Os efeitos de viver numa terra sem estações

Os corredores férteis deste vaticano profano

Os embaraços das nossas perversões

A encarnação de Jesus que voltou por engano

Meu cigarro falsificado de 50 centavos

Não dá pra confiar nem na originalidade do tabaco

Esse gosto de papelão, algodão e cravo

Sempre foi e sempre será o nosso ponto fraco

Espero ter ao menos um câncer original

Já que minha vida sempre foi a repetição da mesma piada

Que seja então a doença um tardio anticoncepcional

Era cedo quando nos sentamos aqui, já está de madrugada.

Você aí falando das relações internacionais

E eu batucando minhas esquizofrenias de fachada

Esse papo de conservadores liberais

Essa conversa previamente memorizada, ensaiada

Me interessa muito mais o maquinista insatisfeito

Que bola um jeito de descarrilhar o trem das quatro horas

Ele merece o nosso suspeito respeito

Essas desilusões suicidas sonhadoras

Você diz que o que eu digo não faz muito sentido

E claro que assim, eu fico sentido

Quase ofendido

Como se algo por aqui precisasse fazer sentido pra ser ouvido.

Você cobra sentido de mim?

Tanta gente mais poderosa que eu por aí falando absurdos

E você vem dizer que me comunico de um jeito ruim?

Então pergunte pra qualquer um, principalmente para os surdos

Eles concordarão com cada palavra proferida e profetizada

E cada um pode ir pro seu canto, fora desse sereno

Você com sua pompa de diplomata e eu com minha batucada

Cada um levando o seu próprio veneno.

Sinto muito se isso não passou de um desperdício do seu tempo.