POESIA, INSTÂNCIAS DE MIM
Ser poeta, diz-se pois de quem
Na vida nada tem para fazer
Ou então, talvez, e também
Querer afirmar-se para o ser.
Ser poeta, diz-se com desdém
Gostar mesmo de se entreter,
É fazer os versos muito bem
E com isso alcançar prazer.
Ser poeta, quem havia de dizer?
É ter presunção em ser alguém
Que possa sempre parecer
Que, ao brilhar, de longe vem.
Ser poeta, é procurar querer
De tudo um pouco que se tem
E dar a ideia de muito ter
Sendo tudo não sendo ninguém.
Ser poeta, é tão só acontecer
Andar sempre num vai-e-vem
Fazer poemas ao amanhecer
E nunca valerem um vintém.
Ser poeta, é ter um entretém
Que dê jeito em se envaidecer
E sempre proclamar amém
Quer esteja de sol ou a chover.
Feitas as contas, o que é ser poeta?
Perguntem a quem diz que é,
Mesmo que de forma discreta,
Pode dizê-lo mas ninguém o crê.
Feitas as contas, ser poeta será
Assumir mesmo aquilo que se é
Pois ser poeta, quem o saberá?
Há que o ser mesmo em contrafé…
Ai, que tal vai essa poesia,
Ai, que tal vai esse poema,
Ai, onde estás, ó fantasia,
Mas, afinal qual é o teu lema?
Se ser poeta é ser luzeiro
Eu quererei ser um farol
E, entre todos, ser o primeiro
Quer faça chuva, frio ou sol.
Se ser poeta é ter bom ofício
Em tarefa fiel que se presuma,
Não quererei tal sacrifício
Em troca de coisa nenhuma.
Ai poeta, ai poeta, ai poeta,
Afinal o que fazes da vida
Neste mundo de vida preta
E tu sem que a tenhas vencida?
Valerá poeta ser, ó humano,
Quando afinal ninguém te lê?
Escreves um livro cada ano
E de poesia nada se vê.
Torna-te antes um baladeiro
Vai com tua viola de rua em rua
Talvez consigas mais dinheiro
Cantando o teu fado para a lua.
Estes versos, instâncias de mim
Que nada têm de presunção,
São o meu toque de clarim
Para os poetas de profissão!
Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS