Me olhe pela ultima vez...
Como posso olhar para você de novo,
quando estive aqui todo esse tempo esperando por nada?
Como posso não sentir-me apunhalado mil vezes,
quando você volta e me diz que só precisava de um tempo?
Olhe para mim agora, para as rugas do meu rosto,
olhe para as olheiras das noites em claro pensando em ti,
olhe para esses olhos cheios de uma indignação ressentida,
e me diga como esperas que eu jogue isso para debaixo de um tapete?
Como queres que sejamos felizes depois de tanto silêncio,
depois de uma partida sem adeus, sem nem um bilhete,
olhe para a barba por fazer que cultivei em um luto contínuo,
olhe para essas mãos que se contorceram noite após noite,
olhe para esse corpo que se encolheu na cama nas madrugadas,
e me digas como esperas que eu simplesmente finja,
que eu simplesmente finja estar tudo bem?
Dê meia volta e volte para o lugar de onde nunca deverias ter saído,
esqueças que esse coração bateu por ti cada segundo dessa vida,
apague meu rosto de suas memórias com amnésia seletiva,
risque meu nome de seu diário de bordo,
porque tudo o que encontrarás aqui será só desilusão,
daquelas que dilaceram a alma e destroem todo o resto,
transformam um homem em um fantasma de si mesmo,
um ser sem propósito vagando por uma meia vida,
bebendo em cada esquina o sangue de suas veias,
consumindo a tristeza em doses de fuga desesperada,
foi nisto que me tornastes e agora me perguntas o porquê?
Então dê uma olhada, uma ultima olhada nesse rosto,
e quando sentir saudade que não seja da minha expressão,
quando sentir que foi tarde demais, não se arrependa,
quando sentir que poderia ter dito alguma coisa, esqueça!
Há dores totalmente incuráveis porque marcam o espírito,
há sensações que se tornam grilhões pesados demais,
há mortes que nos mantêm vivos sem querer,
então olhe para este moribundo uma última vez,
olhe bem fundo, para esse espaço vazio que construíste,
encare de frente esse naufrágio que deixastes em mim,
esse mar de infinitos afogamentos sem boias,
esse redomoinho de insanidades entorpecidas,
olhe para esses lábios que nunca mais sorriram,
e me digas como esperas que eu seja capaz de perdoar,
que eu feche os olhos para o terremoto que me arrasou?