SÓ RESPONDA, QUE VISTE?
Que viste em mim?
Olhar torturante e cansado
Monossilábico calado
Tão pouco gente e desumano
Tanto caótico nietzschiano?
Por fora calmo e plácido
Por dentro tormento de plástico
Coração metálico em tanque
Voz de manar atômico estanque?
Sobrancelha negra expressivo corvo
Irascível negra da asa torvo
Mãos de estivo de quebrar brita
Que agem calmas mas por dentro grita?
Que viste?
Em alguém que em nada insiste
Que pouquíssimo persiste
Que tão logo, logo desiste?
Em que atrai esse olho preto perigoso
Tão sólido e líquido e vaporoso e poroso
Olho que te atravessa como parede
Não repara, não nota, não vede?
Não repara tampouco no choro escondido
No embrião fétido de amor oprimido
Nas mazelas feridas de âmago inerte
Em barroco ardor árido deserte?
Que viu?
Indaga a alma que daqui fugiu
Do corpo acautelar ambíguo
Do corpo cadáver da cabeça, pé, umbigo
Só responda, que viste?
Nessa cara caricatural de fachadas
Nesse cárcere de grades fechadas
Nessa alma cingida enclausurada
Nesse sorriso emperrado
Nesse penhasco agrilhoado
Nesse boqueirão do nada?