Isso não é amor
Nesses dias em que é tão difícil ouvir "Eu te amo"
Eu te amo
Como as nuvens amam o vento
Como o vazio ama o infinito
Eu te amo como um grito
Preso na garganta de um louco
Amo-te cada dia menos um pouco
E assim vou me curando de ti
Eu te amo
Como a lâmina ama o corte
Como a madrugada ama a morte
Com o coração enegrecido
De mercúrio, fel e pus.
Eu te amo
Como um inseto ama a luz
Que vai queimar as suas asas
Os seus olhos, seus sonhos
Suas cascas, sua vida
Eu te amo, querida
Por saber que você existe
Napoleão com espada em riste
Num manicômio qualquer
Eu te amo louca mulher
Como o fiel ama a crença
Como o vírus ama a doença
Que facilita seu pulular
Amo-te
Como os balões amam o ar
E flutuam até os mares
Até de súbito, estourarem
E afogarem loucos padres
Eu te amo
Como a fofoca ama as comadres
Como as velhas amam os padres
Como a metástase ama o tumor
Eu te amo com pavor
Quero fugir, me esconder
E chorar até desidratar
E me esvaziar de você
Como o bandeirante ama o desconhecido
Como o arqueólogo ama o esquecido
Como o policial ama o bandido
Sem o qual não teria sentido
Eu te amo
Então não me venha falar de amor
Não me venha falar de dor
Pois dor é meu sobrenome
Quem se insinua e me nega?
Quem fala de amor e some?
Isso não é amor