Não me queiras mais

Quando as cinzas retornam ao fogo, há desespero

e o mundo para, e o cabelo cresce

e a voz se espalha para o lado que fenece e nem avisa.

Desejo do teu sabor o que percebes em minhas olhadas,

do banho, ao passeio na calçada, do jardim à flor.

Me beija que vês em minha boca as digitais de teu inferno

e a dor que, incessantemente, forja ser sorriso e nada mais.

Velhas cicatrizes que o tempo sopra e nem apaga

porque se te amei, amei por pura desgraça,

e ainda não havia conhecido sequer a vida.

As brasas apagaram-se noutro fogo, nada morto,

uma espécie de tristeza infinita que sobe e desce, cala e fala.

Mereço o teu amor? Claro que não!

Tu és do teatro a peça única,

aquela que ninguém quis assistir mais de uma vez,

e apesar de lotado, o teatro estava mudo e a dama surda

e o mundo queimado pelo hálito que tuas palavras gritavam.

Quem quer me amar? Gritem, sussurrem, se calem!

O poeta tem a voz do silêncio em plena madrugada,

quando a dor se acorda e fica perturbada

e não mais há o amor....

e não há mais nada!