Discreto escândalo

Conhecemo-nos,

procuramo-nos,

falamos e combinamos

discutimos, concordamos

e todo o que fizemos

foi por nos amarmos.

E era impossível

e não podia ser,

não era nossa a Lua

do céu, nem a do mar,

nem era certo o faro,

nem era nosso o luar.

Doíam as fantasias

e mais doíam as verdades,

e era impossível

e não podia ser,

em casa do ferreiro

era de pau a colher.

Provocamos traições,

razões para o silêncio,

motivos de desamor,

melhor não ter conversa

do que o lento morrer

de morte tão perversa.

Afastamo-nos,

esquecemo-nos,

não falamos nem combinamos,

já nunca mais nos vemos,

e todo o que não fazemos

é por não nos amarmos.

E assim alimentamos

escândalo tão discreto,

tão subtil desmazelo

cujo grito abafado,

inconsútil, formidável,

a si mesmo é negado.

Na dança universal,

banhad@s em sonho

é o que nos resta:

vir acompanhar

na inércia da órbita

a estrela a se apagar.