INUNDADA

Hoje eu só preciso extravasar o que há em mim.

Meu Deus, eu quero gritar: que está doendo sim!

Dar passagem a voz que está em mim trancada.

Inconformada, não se aquieta e nem se acalma.

Trancada pelas grades das decepções desta vida,

que nos surpreendem como num beco sem saída.

E deixar esse choro sufocado dentro do meu ser,

desempenhar seu papel, pra desabafar, esquecer...

Hoje eu preciso andar com meus pés descalços,

sentir a energia da natureza neste ser cansado.

Almejo tanto absorver a pureza que dela vem,

lembrar da infância, preocupada com ninguém.

Neste dia, desejo que caia bem forte a chuva,

para nela eu sair nua e ver casamento de viúva.

E quero me deixar encharcar totalmente por ela,

e sentir cada gota abraçando minha pele gélida.

Hoje, ainda que queira, não vou roubar da terra

por mais perfumada que seja, a sua flor mais bela.

Somente o seu perfume é que desejo aspirá-lo,

até que meu corpo seja totalmente impregnado.

Depois não quero arrancá-la para que seja minha,

pois eu não a cultivei e ainda assim ela me cativa.

Precisarei outras vezes ser por ela acalentada.

Gentilezas de uma flor a uma tão carente alma.

O que preciso é olhar para o céu neste momento,

e tentar ser contemplada por ele ao mesmo tempo.

Ao olhá-lo, não estando no seu azul mais perfeito.

Tudo bem, apenas nas nuvens brancas me deleito.

Estando elas acinzentadas, indicando um temporal,

Não havendo tragédias, nisso não vejo nenhum mal.

E, se acaso vir a acontecer uma enorme inundação,

que seja também esta, no solo seco do meu coração.

Hoje quero sentir em meu rosto a força do vento,

até que eu consiga ouvi-lo em algum momento.

Quero sentir meus cabelos dançando livres no ar,

já que eu mesma não sinto a mágica de flutuar.

Vento, quero cortar-te abrindo os meus braços!

Venha forte! Venta bem forte! Seja meu aliado!

E venha secar as lágrimas no meu rosto molhado.

Essas que só fazem brotar, deixando-o salgado.

E quanto a você, mar... Ah, mar... Logo você...

Conquistou-me e proporcionou-me tanto prazer.

Mar que tanto amo. Mar onde por vezes amei.

E onde tantas vezes fui amada e me entreguei.

Outro desejo meu é também não te ver, ó mar!

Você que me ensinou formas diferentes de amar.

Seu balanço não me nina, seu cheiro não acalma.

Hoje, o meu amor por ti está repleto de ressaca.

Desculpe, hoje não irei em ti banhar meu corpo.

Não anseio tão cedo, um contato íntimo de novo.

É como estivesse banhando em minhas lágrimas.

Como são semelhantes... elas e as suas águas...

Ambas possuem o mesmo gosto e o mesmo sabor.

Produtoras de altas marés e salgadas de dissabor.

Quem sabe um dia eu volto a banhar-me contigo?

Nas águas... Águas salgadas que inundam o infinito.