SORTE
SORTE
Trouxeste o que para uma alma aflita?
O ego, assim como a consciência,
Requer doses homeopáticas de prudência
Para que qualquer fórmula seja, antes,
Obra de alguma penitência.
Se somos frutos de qualquer coisa ou do divino
A mais pura obra desse corpo menino
Devemos, então, compreender certa moral
Para que as vozes sejam ouvidas,
E cumpridas,
Numa determinada virtude glacial.
Jamais fugistes do seu destino,
Pois as promessas, ainda menino
Estavam a se cumprir.
Deste modo, as mazelas da dor
Haverá de permitir.
Sozinho, porém,
E uma mãe apenas chorosa,
Não tendo compreensão daquilo
Foi descansar a sua sombra, com olhos de medrosa,
Não era tarde, era o seu tempo
Permanecendo os dias iguais
Só até aquele momento,
Donde nasciam outras coisas morais.
Antes, porém, foi visto o fogo rasgando o horizonte
Bem longe, mas insistente e brilhante,
O qual permaneceu cintilante.
Nos dias prometidos, então, algo supremo surgia,
Soando como vento nas pedras do litoral
E não apenas uma nova moral,
Mas, sim, os seus olhos no infinito, fulgurante, o qual permanecia.
Então, naquela noite, ao olhar para o céu negro,
Viu-se uma enorme estrela a rasgar o infinito,
Descendo o milagre
Nascendo o corpo-menino.
Já se ia à tarde,
Vindo, com ela, a sua tempestade,
Vivendo, Entretando, o prometido,
E o que seria, em dias vindouros, a infinidade.
Requerendo, com isso, os seus próprios valores,
Não para os diabos escarnecedores;
Menos ainda para falsos oradores,
Mas apenas algo concreto em que possa repousar;
Nuvens, sol, céu, a ti a louvar.
E, de toda sorte,
Para sua própria tranquilidade
E para outra morte,
Outra verdade,
A angústia causou-lhe suas dores
Pois até as mais belas danças têm seus dissabores.
Ainda que seja para livrar-nos da morte
Para que esse “eu” não faça parte de uma determinada angústia
A vida, requer, sim, um tanto e tanto de Sorte.
Foste, antes, certa primazia,
Para que pudesse chegar, também, este dia.
Para prolongar, talvez, mais alguns dias
Diga-me sorte, digo-lhe, um tal Messias,
O qual falou-nos obras sobre a servidão.
De que sorte, portanto, apenas a vida assim,
Vivida em eterna compaixão.
Cumpriu-se, deste modo, o que se prometia
Enquanto o sol, resplandecente, apenas descia
Entre nuvens a chorar
O algoz daquela vida, diante dele
Tocando, sorrindo, na face a te beijar.
Seus amigos, discípulos de ti
Peregrinos de uma nova vida
Entendendo de todo proposito
Ainda que seja o caminho de ida...
A figura da alma escorrendo pelos tristes semblantes
Triste, decerto,
Pois nada mais será como dantes.
As estrelas no céu a cintilar
Seu inimigo, agora,
Após o beijo de outrora,
Deixou o medo lhe escapar.
Vieste para o propósito deste pai
Do qual ninguém soube do que se tratar
Mas, ainda assim, veio, e propôs-nos o amor a semear.
Falou-nos das eloquências da servidão,
A qual, por ela, és alimento para o coração.
E a alma, alegrando-se com isso
Poderia repousar em seu verdadeiro abrigo.
Não lhe basta, destarte, qualquer aflição,
Nem tão pouco que se afliges o próprio coração
Porquanto as suas sombras não mais te perturbarão.
Digo-lhe, deste modo, nada mais lhe restará,
Apenas as vozes do céu,
As trombetas da terra
Os acordes dos anjos, dançando o seu carrossel
A te amar.
Dir-me-ia, no entanto, sobre certa moral divina
Que assim como o abrir da cortina
O ego se faz para o mundo,
Tão repentino,
E, de certo modo, imundo.
Não, pouco provável que nos instale dessa maneira
Como lírios a rodopiar pelos campos
De forma bem sorrateira,
A viver em seus dourados choupos.
A angústia, a deixar-nos loucos,
É passageira,
Assim como a vida é um passo,
É ligeira.
A angústia é, por ela mesma, complexa
Fazendo morada desde a primeira idade
Deixando, por obra, perplexa
A qual permanece sem muita sororidade.
E permanecendo até o último suspiro
Desde o corpo menino,
São, de fato, obras diferentes
Para diferentes destinos.
Essa voz de Paulo, a qual soa inquietude
Ou a de Lutero, soando aflição,
Porém, sonhando certa amplitude,
Diz ao mundo,
Ainda que profundo,
Que todas essas obras são partes de uma mesma compaixão.
Ora, Paulo, amigo meu,
Subiste à Corintos levando seus presságios,
Eloquente, pregando valores sublimes,
Quietos, como adágios,
Mudando e transformando egos.
E todos os “Eus” que porventura te suplicaram
Foram derramados em novos momentos,
Pois a ti, assim como ti, apelaram aos novos testamentos
Dando-lhes, valores outros, sem ressentimentos,
Apagando os seus passados
E concedendo-lhe a oportunidade da vida eterna,
Porquanto não se tem mais a vida aqui na terra.
Não teria a angústia o mesmo valor dessa moral?
Não seria crível, deste modo, crer que nos desperta o mal
A outorga de certo pensamento
Como a magia de uma obra monumental?
Foste Paulo, o salvador de almas
Então o que nos diria sobre a angústia dessa falta imortal?
Pode ser, com isso, que ele, Paulo,
Tenha romantizado a vida, antes, em Saulo.
Sendo, veja, angustiante essas certezas
Mas Lutero, com a sua leveza
Despertou-nos, decerto, outras incertezas.
Nos dirá, com isso, as mesas coisas sobre a vida
E que a angústia não é mais parte dela,
Parte dessa falta divina
Só que em momentos oportunos.
Foste, os dois, portanto,
Daqui para outros mundos.
Mas ti, conforme o prometido,
Aquele corpo menino
A rasgar o céu, em estrela cintilante
Nos proporcionou o seu instante.
Para daqui da terra,
Ir embora vossa carne, que aqui se encerra,
Mas a sua alma,
Daqui para a vida eterna.
Oramos, assim, o teu nome
Sem saber, ao certo, o que nos consome.
Aqui na terra, tudo anda em desordem
Rogamos-lhe o teu nome, portanto,
Para coisas novas pôr à sua ordem.
Veja, bem sei que o dia é prometido,
Repitam-nos, desde o corpo menino
E do passado, que nada mais era que o verbo
E o tal verbo, que deixou de ser,
Deu vida a tua carne,
E do corpo homem, o milagre fez nascer.
Ah, quanta inquietude
Não me basta ver para crer
Pois a simples tempestade do vento
Deixa-me acordado em seu acontecimento.
Sou apenas carne,
Daqui não sei para onde vou
Mas, sabemos, somos parte do seu próprio milagre,
E em ti, sei que algo sou.
Desceu à terra e subiu aos céus.
Antes, suportou as mazelas do homem
Bebendo da desventura e do nosso fel.
Falou-nos, ainda, do tal amor
Sem contrapartidas, ainda quando lhe causamos dor.
És de grande nobreza, e do meu mundo,
És, ainda, sobre todas as coisas, o amor profundo.
Só ti é, portanto,
O meu Senhor.
Fábio Martins