O calvário dos perdidos
O deus verme rasteja pelas ruas com uma cruz envolta ao pescoço, e ele não sabe porquê a carrega.
Tua seita é fundada com a carne de cristo, e ele a rói incessantemente, esculpindo o próprio rosto em um altar de adorações narcísicas.
O deus verme pragueja tua cegueira existencial contra todos aqueles que estão pregados na cruz social.
O deus verme tem sua miséria como deus, pois rói a carne podre do passado e sacraliza todos os teus preconceitos, ideologias e convicções.
Enquanto ele rasteja por entre o sangue dos crucificados, leva seu amuleto sagrado no peito - um crucifixo com um corpo renegado.
O mártir que ele carrega seria outra vez açoitado por se marginalizar no pensamento coletivo:
"Jesus que beijara as lepras do mundo e lavara os pés da prostituição, essa meretriz que a humanidade carrega em seu âmago; ela que é capaz de vender a alma e partes genuinamente suas para ser aceita em um raciocínio caduco."
O deus verme jura adorar Jesus, mas adora a si mesmo e o crucifica todas as noites, quando suas palavras se aniquilam diante das ações.
O deus verme brada a hipocrisia e ensurdece frente aos suspiros agonizantes dos esfomeados.
Os corpos que ele crucifica são receptáculos de existências profundas; cravadas e desumanizadas sob rótulos.
E o deus verme não ouve os prantos da solidão confinada dentro dos excluídos:
- Meu Deus, porque me abandonastes?
Ela grita das entranhas dos desgastados e incompreendidos.
Debate-se em um corpo trans e se esfola sob um mendigo.
Mas o Deus que a solidão clama, não é o deus verme.
É uma tentativa de se conectar com a própria existência ao se ver cravada pelos ermos e penetrantes pregos do abandono.
Através dos pulsos da solidão,
vejo os abismos que a apregoam
aos martírios de uma dor isolada.
No calvário dos perdidos gritam os oprimidos; coroados como reis dos próprios espinhos.
E crucificados contra a escravidão.
Os corvos que os cercam, esperam fenecer os espantalhos encarregados de assustar a morte
com a resiliência de quem luta por sobrevivência.
E o deus verme se empanturra com a matéria inorgânica da terra; reinando sob a sua criação funérea.
Eis o banquete da degradação.