O POEMA À VIRGEM

"Concepção da virgem"

Ouves já, ó pequenina,

A tênue voz do meu canto,

Ou dormes inda quietinha

No berço materno santo?

Sim, ouves! Os teus ouvidos

são já despertos, são bons:

É a teia dos meus vícios

Que estorva meus pobres sons.

Se pudesse à fresca noite

Faltar o leve rocio

Se de altaneira nascente

Pudesse não vir o rio,

Se pudesse o grave nimbo

Não desprender a sua água,

E as fontes reborbulhando

Negar os olhos com mágoa:

Poderia a tua piedade

Deixar-nos também sequiosos:

Não ser o teu pequenino

Coração um mar de gozos!

Teu coração é fornalha

De um infinito calor:

Todo inteiro me incendeie

Esse amor do teu amor!

"Maria recém-nascida"

Insensato, que paixão

Te arrasta num remoinho?...

Teus pés agora onde vão,

E após ele mesquinho

Do coração?

Olhos meus, que vagueias

Cansado por esta vida,

Oh! Por que não descansais

Na rosa recém-nascida

Destes rosais?

Este meu rude cantar

Acolhe-o, Virgem formosa,

É de um mendigo sem lar:

Serve ao menos, ó rosa,

Pra te embalar!

Preparadas tenho aqui

Muitas outras flores belas,

Para ofertá-las a ti:

São mil grinaldas singelas

Que entreteci!

Guardou-as o amor porém

Para aquele alegre dia,

Que, em teu colo de cecém,

Dormir, pequena Maria,

Teu doce Bem!

"Apresentação da virgem no templo"

Apenas teu semblante encantador assoma

No humilde limiar

Do paterno solar,

Enche Jerusalém do mais suave aroma.

Eu o senti decerto: aquele belo dia

Pus-me, sem saber,

A correr, a correr

Um quê misterioso o caminho me abria.

E eu vi... oh! Que visão! e tombei trespassado

Por um dardo de amor:

Sim, foi: foi o fulgor,

Virgem, do teu olhar, que me feriu o lado.

Um incêndio se ergueu, de viva claridade

Dentro no coração!

Nova, feliz canção

Ditou à minha voz o amor da Virgindade:

Oh! tarde. Muito tarde entendo o meu destroço:

Há muito me perdi,

Ó fulgido rubi

Que és o maior fulgor num

Coração de moço!

Que fera tão cruel, ó minha

Herdade bela,

A sebe te arrancou?

Que monstro derrocou

A potente muralha à tua cidadela?

Ó santa Virgindade, ó noiva tão formosa

De noivo tão gentil,

Que tempestade vil

Te veio esfolhar do peito a branca rosa?

Oh! quando, já mui perto, a morte negra fria

Em torpe abraço quis

Do peito do infeliz

A pureza manchar no leito em que jazia,

Não sei que ciciar suave de aura mansa

Roçou-me o coração:

Era a consolação

Que me vinha tocar a harpa da esperança:

Ergue-te, vem comigo, oh! vem do Onipotente

Aos sagrados umbrais

E não me deixes mais!

Tu meu servo serás aqui perpetuamente!

Ouvi, e à minha alma a vida esmorecida

Lento, lento voltou:

A língua me soltou

E eu disse: “Eis-me, eu te sigo, ó luz de minha vida!”

"Anunciação e maternidade divina"

Meigo sono solta os ombros

Que atara o labor do dia:

Na terra só brilha a lâmpada

Do teu olhar, ó Maria.

Revolves na mente há muito

O alto mistério divino:

Contemplar o rosto almejas

Do teu formoso menino

Anseias libar mil ósculos

Dessa boquinha formosa,

Estampar teus doces lábios

Em suas faces cor de rosa.

“Meu futuro paraíso,

Vem, nasce, ó eterno Deus!

Vem dar-me um beijo celeste

Desses labiozinhos teus!”

Enquanto assim desabafas

A chama do teu amor,

E esperas vê o semblante

Do que Deus fez teu penhor:

Vestido da carne humana

Eis nasce o Verbo menino:

Dorme intacta a virgindade

Em teu albergue divino.

Como o caule verdejante

Produz a nitente flor,

Sem que ela no desata-se

Lhe fira em nada o condor:

Como o sol passa as vidraças

Com seus fios coruscantes.

Tira e retira seus raios

Deixando o vidro como antes:

Por essa porta de aurora

Sai o príncipe do Céu:

Não rangeu um só ferrolho

Não se roçou um só véu.

Saiu do tálamo augusto

Qual esposado novel:

À nova esposa levando

De eterno amor o anel.

Já te prendem de joelhos

De santo respeito os laços:

Mas, és mãe, já não resistes

A enfaixá-lo de abraços!

Chaga divina, quem te abriu primeiro

Não foi a lança, não!

Jesus amou-nos, e esse amor imenso

Rasgou-lhe o coração!

Fonte perene a borbulhar no seio

Do celestial Éden,

De tuas águas a flor da santidade

Na terra se mantém!

Real caminho ao viajor pedido

Umbral da eternidade,

Trincheira certa na refrega ardente,

Porto na tempestade!

Purpúrea rosa a repartir benéfica

Exalações divinas,

Joia que, ao pecador, do Céu descerra

As portas cristalinas!

Macio ninho, que reguarda os ovos

Às cândidas pombinhas

Em ti vêm ocultar suas esperanças

As tímidas rolinhas.

Sublime chaga a rutilar formosa

De eterno resplendor

Tu és que feres nossos frios peitos

Em centelhas de amor!

Celeste chaga, abriste larga estrada

Em nosso coração,

Por onde possa entrar suavemente

Da cruz a salvação!

Prova inaudita és tu, ó viva chaga,

Do amor do meu Jesus!

A ti se acolhe a barca na procela,

Farol da eterna luz!

Sede eterna da paz, límpida fonte

De linfa perenal,

A refrescar suave com seus jorros

A pátria celestial!

Só tu, ó Mãe, sentiste o rude ferro que esta chaga rasgou!

A ti pertence dar aí refúgio

Ao pobre que pecou.

Deixa pois que eu corra a esse abrigo

Que a lança me mostrou:

Quero passar unido toda a vida

Àquele que me amou!

À sombra desse amor acalentado

Alegre hei de viver:

Dentro em teu coração, ó meu amado

Virei enfim morrer!